Fui ao Café Dramático no Museu de Arte Contemporânea noite passada pra ver a leitura da peça Roda Viva, de Chico Buarque, que foi censurada no final dos anos 60 e meio século depois ainda continua atualíssima.
Me interessou logo essa coisa da leitura dramática porque vivo entediado de saraus e suas dinâmicas, desorganizações e essa onda muito chata de todo mundo achar que pode ser artista, escrever poesia, saber cantar, dançar. O negócio já começa com cara de final de churrasco de família com cunhado bêbado cantando no karaokê as músicas de Raça Negra.
Cheguei com 15 minutos de atraso, encontrei uma caixa de som tocando canções de Buarque em volume sensato numa antessala a da leitura, entrei, procurei um lugar pra sentar que troquei três vezes, por causa do hábito de sempre “riscar” o dedo nas cadeiras, pra ver se tinha poeira.
As duas primeiras tinham uma espécie de fuligem preta, como acontece com assentos de pontos de ônibus.
A marca de café que patrocinava o evento colou embaixo das cadeiras um presente. Sentei na última, quase limpa, e não ganhei. Uns 35 lugares ao todo, talvez.
Os quatro atores já estavam sentados. Welber Oliveira, Márcio Nunes, Lene Costa e Cláudio Galizas.
Também o cantor convidado Tanny Brasil que fez bem o papel de “ator” essa noite.
Uma luz modesta, agradável, que oscilava as cores em determinados momentos. Entra o diretor Araylton Públio, faz uma breve apresentação do texto, aborda a repressão que os envolvidos sofreram da ditadura na época da estreia e começam.
Eu até tento acompanhar a leitura em pdf pelo meu smartphone e desisto nos primeiros cinco minutos. A minha frente tudo estava bem feito e convidativo demais.
Logo chega uma moça meio atrapalhada e senta do meu lado. Começa a fotografar e filmar com um flash aceso, apontando o canhão de luz na direção dos atores naquela sala pequena. Eu e minha mania desgraçada de não saber disfarçar maus olhares.
A cinegrafista modernosa, que não parecia mal-educada por querer, me pergunta simpática se sua filmadora tava me atrapalhando. Eu sinalizo, o mais silencioso e discreto possível que sua lanterna parecia o Farol de Yokohama. Ela preocupada, desliga e continua filmando uns 40 minutos, nas posições mais esdrúxulas possíveis. Seguro minha curiosidade pra saber se ela vai apagar o arquivo ainda essa semana. Segue o baile.
Entre minhas indagações de, como Chico Buarque pode ser tão sensacional e de quanto tempo um projeto tão bacana com gente tão capaz como esse, vai durar por aqui, adentra o recinto uma senhora de salto (toco, toco, toco), câmera em punho, cliques (acompanhados instantaneamente de caretas) e flashs. Pra lá e pra cá (toco, toco, toco) com muitos cliques (sonoros). Resolve se sentar próxima a um rapaz à minha frente que não parava de olhar pra uma amiga atrás de mim. Rindo e acenando. E esse rabugento que escreve buscando o foco: a gente vai contra a corrente até não poder resistir.
Depois de uma hora a leitura chega ao fim. A plateia aplaudiu com gosto e foi merecido. Um bate papo sobre os assuntos abordados, quase sai um Fora Temer e um café ao som de Chico e sua turma. Todo pessoal envolvido recebendo os cumprimentos e desejos de vida longa ao projeto.
Eu saí com o museu já de luzes apagadas porque o Uber por aqui na Princesa do Sertão leva horas a fio em preço dinâmico (mais caro que o normal).
Chamei o táxi de 20% de desconto e o motorista (que estava com um olho na rua e outro na tv grudada no painel vendo o jogo do Fluminense) me contou que, hoje no centro da cidade, um poste caiu por cima de dois colegas de trabalho dele. Ninguém morreu.
Só a minha disposição depois de escrever esse monte de coisa que quase ninguém vai ler.