Uma crítica significativa que deve ser feita a parte da militância de Direitos Humanos no Brasil que se interessa pelos problemas da atuação policial é o distanciamento quase asséptico que costumam manter dos policiais e das peculiaridades dessa atividade.
Não que esses militantes estejam enganados no que diz respeito à crítica que fazem à brutalidade policial, mas porque o esforço despendido na repressão aos abusos das polícias são estéreis sem o simultâneo empoderamento de práticas alternativas, que enalteçam uma cultura de paz humanitária no interior das polícias.
Toda organização que milita sobre Direitos Humanos e não está disposta a estabelecer estratégias de convencimento e interação com policiais está fadada à lógica do “enxugamento de gelo”: a mesma lógica a que está submetido todo o sistema de justiça criminal brasileiro, a exemplo da guerra às drogas e da política de encarceramento em massa.
Em resumo, esses contextos abandonaram a reflexão e a ação sobre as causas e se debruçam, no automático, à mera preocupação com os efeitos.
Nesse sentido, é esclarecedora a entrevista de Christopher Stone, presidente da Open Society Fundations, à Folha de São Paulo, em que diz considerar fundamental o papel do “escândalo policial” frente aos casos de abuso praticados por colegas:
“A polícia, assim como o Exército, não é uma instituição naturalmente democrática. Tem de haver uma mudança de cultura que requer uma liderança forte dentro da polícia.
O que aconteceu nos protestos é um sinal positivo: a violência policial no Brasil tem sido um escândalo internacional há anos e é bom que esteja se tornando um escândalo no Brasil também.
Eu acho que, se a polícia aqui for como a polícia de outros lugares, vai se tornar um escândalo dentro da corporação também. Tem de haver líderes que digam: ‘Nós não somos assim’”.
É claro que nenhuma organização possui o monopólio da cultura democrática, mas nas polícias há sérios desafios nesse campo porque somos autorizados ao uso da força em nome do Estado.Não é qualquer burocracia que pode ser adequada a esta peculiaridade profissional.
Um policial que usa a força com o mesmo automatismo do funcionário do cartório que carimba um ofício corre grandes riscos de praticar abuso – mesmo sem intenções claras e conscientes de fazê-lo.