Quando se fala em capoeira lá fora, e mesmo aqui na Bahia, é comum as pessoas tomarem como referência a cidade de Salvador, imortalizada através da arte, da literatura e da publicidade como o berço da cultura afro do Brasil.
Mas capoeira também é ‘coisa’ de sertão e em Feira de Santana ela tem dimensão e peculiaridades próprias que talvez Salvador já não tenha mais, engessada que é pelos critérios da indústria do turismo e do lazer.
Aqui tem a espontaneidade que não é mais tão fácil encontrar na capital. Gabriel Ferreira me alertou para isso.
Encontrei o artista na roda de capoeira formada, todos os sábados, pelo grupo ‘Angoleiros do Sertão’ na praça do Mercado de Arte Popular, no centro de Feira de Santana.
O ‘Angoleiros’ é mais do que um grupo de capoeira.É um movimento cultural, com sede institucionalizada em amplo terreno na zona rural da cidade e o seu líder, o mestre Cláudio, é uma espécie de ‘guru’ entre os apreciadores da arte, requisitado inclusive por instituições de países europeus.
O lugar fica entre os dois pólos mais importantes do comércio popular da cidade: a rua Marechal Deodoro e o Calçadão da Sales Barbosa. O vai-e-vem de gente ali é intenso. (Os sábados há muito já superaram as segundas-feiras como o dia mais movimentado da cidade comercial de Feira de Santana.)
Já escrevi outras vezes aqui sobre esse acontecimento dos sábados em Feira.
Gabriel não está tocando berimbau ou ‘jogando o jogo’ no centro da roda. É um espectador como eu, mas com uma diferença básica: a capoeira é um elemento fundamental de uma vertente importante do seu trabalho como artista plástico reconhecido na Bahia.
As telas de Gabriel com essa temática ilustram e decoram muitas paredes de residências e instituições em Feira e os ‘angoleiros’ lhe servem de modelos.
Tudo começou com o pedido de um capoeirista, professor doutor em História, o mestre Bel Pires para ilustrar um dos seus livros. Bel dispensa apresentação: seus estudos sobre a temática afro são hoje referência nas universidades baianas.
Ele que já trabalhava com as figuras do candomblé,passou então a desenhá-las também em movimentos que remetem aos do ‘jogo de negro’.
Quando termina o jogo da capoeira entre os membros do grupo eles começam o samba. É a hora dos espectadores entrarem na roda e fazerem o show.
Gabriel também é músico. Na conversa que continuamos já em uma mesa de Ana da Maniçoba, dentro do Mercado, entre dezenas de informações inéditas para mim ele me diz que está compondo samba-de-roda e que vai introduzir um instrumento novo no grupo de forró e samba que ele participa: a enxada.
É tudo muito sertão ou não é?