Quando vejo baianos ilustres indo embora desta para melhor, como se diz por aí na falta do que falar, lembro imediatamente de um jogo de Lego, em que a carência de uma peça destrói todo o conjunto da obra. Revejo como na tela de um velho jogo eletrônico, a figura de um Pac-Man comendo agudamente nossa cultura, aos nacos. O passamento do baiano João Gilberto além da dor da perde e da emoção de relembrar sua trajetória genial (tem quem não ache, claro) traz à tona o sentimento de abandono e da perda da nossa memória, do memorial baiano. A Bahia parece não ter peça de reposição. Os baianos não lustram os baianos e os novíssimos baianos não lembram dos baianos célebres.
Minha preocupação é com a perda de nossa riqueza intelectual, pois estamos no mesmo cadinho, na sopa rala, no medianeiro. A Bahia sempre esteve na vanguarda da intelectualidade brasileira, seja com padre Antônio Vieira, com Ruy Barbosa, com Gregório de Mattos, Anísio Teixeira, Edith Gama, Afrânio Peixoto, Carlos Coqueiro Costa, Carlos Lacerda, Castro Alves, Wally Salomão, Pedro Kilkerry, Jorge Amado, João Ubaldo, Pedro Gama, os irmãos André e Antônio Rebouças e tantos. Tínhamos mais, muito mais. No entanto, se for prestada atenção, vamos ver que são poucos lembrados. Excetuando-se Jorge Amado, que a família bem relacionada com o poder, consegue manter sua obra em pauta e seus bens em exposição permanente em sua velha casa do Rio Vermelho; e Castro Alves por uma questão de combinações extra obra que caiu na lembrança popular. Cadê o restante? Onde está a estátua em homenagem a Gregório de Mattos? (o jornalista José Pacheco lembra que tem uma no antigo cine Guarani e que estou esquecendo Raul Seixas). Gregório que considero nosso cronista maior. Em que patamar se encontra a lembrança de Joião Ubaldo Ribeiro? Cadê um espaço com o nome dele e de Dorival Caymmi? Sei, tem a estátua em Itapuã.
A Bahia carece, já que não pode ou não quer individualizar as homenagens para cada um destes que cito e merece de pelo menos criar um Panteon. Em Paris cada casa de autor, de músico, de cineasta, de filósofo – ou mesmo o bar onde frequentava ou o cemitério onde está enterrado – é reverenciado e aberto ao público, administrado pelo estado, por ONGs ou curadores particulares. Aqui, nesta impossibilidade memorial, podia-se criar um lugar, um geral das grandes personalidades baianas. Coisa para gringo apreciar. Algo para baiano se orgulhar. Para a obra, o perfil, a glória, não se esvaírem.
Está difícil repor baianos no lugar daqueles que nos representaram com excelência e se foram. Não vejo, por exemplo (e se estou sendo injusto por favor me alumie que pedirei públicas desculpas) um Caetano Veloso, dos últimos baianos geniais que estão na ribalta ajudando aos novos, usando sua influência para abrir portas para quem está chegando. Coisa que Gilberto Gil, por sua vez, faz com certa frequência. Maria Bethânia se encastela em sua concha. Voltando a Caetano, o que vejo é ele “vampirizando” os que surgem e fazem sucesso, como para estar “contemporâneo” (se estou sendo injusto me alumie de novo). Todos sabem que Dorival Caymmi ajudou muita gente no Rio de Janeiro. Que Jorge Amado foi ajudado por Agripino Grieco, dentre outros. E Jorge Amado deu força para as carreiras de João Gilberto no exterior, para João Ubaldo Ribeiro, Herbert Salles, Mário Cravo, Calazas Neto, Caribe e tantos outros que terminaram famosos.
Não, não vou falar da Axé Music que hoje nos representa no cenário nacional – que considero positiva, pois tem servido para transformar garotos pobres em rapazes ricos, ou seja, tem uma função lúdica e social. Não vou citar o pagode que é idêntico. A única coisa que almejo é ver os músicos de alto nível, os literatos e pensadores, os artistas plásticos baianos da atualidade virarem referência. Qualidade conheço muitos deles que têm. Falta apoio para exibição da obra e serem conhecidos. Podem falar o que quiser do homem, mas tem de relembrar o baiano Antônio Carlos Magalhães, o velho ACM, que enxergava na Bahia um celeiro de gênios. Sábios em profusão, E os levava além da divisa territorial. Onde estão os mecenas? A imprensa especializada? Precisa ser feito alguma coisa antes que os Pac-Man exterminem nosso acervo intelectual.
Jolivaldo Freitas é escritor, jornalista e publicitário; comentarista da Rádio Metrópole, articulista do Jornal Correio e do Portal Metro1 – Cronista da Tribuna da Bahia – Colaborador do iG, Yahoo, Bocão News e Pravda internacional. Editor sênior do site Notícia CapitalEscritor e jornalista
. Email: Jolivaldo.freitas@yahoo.com.br
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