As questões que envolvem o belo têm suscitado muitas discussões no mundo contemporâneo, embora tenha sido negado insistentemente ao longo do século XX, onde a noção de beleza foi totalmente desconstruída. Um bom exemplo é o da então supermodelo Twiggy, que magérrima, reinava nas passarelas.
Tais discussões tornaram-se mais recorrentes na atualidade, abrindo possibilidades de reconhecimentos de novos padrões de beleza, o que despertou na professora e pesquisadora Renata Pitombo, a ideia de organizar a coletânea “O Belo Contemporâneo: Corpo, Moda e Arte”, celebrando assim os 10 anos de existência do grupo de pesquisa Corpo e Cultura (sob sua coordenação e cadastrado no CNPq ), da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
Tema de especulações filosóficas, o belo tem sido associado ao sentimento de prazer, e a tudo que nos provoca uma certa surpresa. E é justamente essa surpresa que se vislumbra no corpo, na arte e na moda, e nos entrelaçamentos entre esses três âmbitos expressivos, observa a pesquisadora. A partir desse cenário, ela confronta a noção das novas concepções de beleza, tendo o corpo vestido ou a composição da aparência como elemento norteador das discussões.
Bem recebido pelo público, o livro conta com lançamentos sucessivos: Porto Alegre, no 15º Colóquio de Moda, realizado na Unisinos; Salvador, no Encontro de Cultura (ENECULT): Cachoeira, durante o VI Seminário Corpo, Moda e Performance, na UFRB. E em Feira de Santana, está sendo apresentado neste sábado, (28) na FLIFS, a Feira do Livro, na Praça do Cordel Rodolfo Coelho Cavalcante.
A coletânea traz 12 artigos distribuídos em três grandes eixos temáticos: Criações visuais, onde o leitor encontra reflexões sobre o mundo da fantasia, em que o corpo está imerso nas teias da criação e autocriação, num diálogo com a dança, as artes plásticas, a pintura e o cinema.
Pluralidades corporais, onde a beleza aparece distanciada dos padrões clássicos, exigindo novas formas de expressão de si em corpos vestidos, dialogando com a sexualidade, os reality shows, a espetacularidade dos desfiles e a identidade. O eixo Aparências midiatizadas procura mostrar a influência da mídia na construção de corporeidades e toda uma cultura visual.
Uma história à parte
Durante mais de um ano, Renata Pitombo se dedicou, entre as múltiplas tarefas que desempenha, em colocar em prática a ideia do livro, pesquisando, reunindo textos, revisando, até chegar à concepção da capa. Essa, uma história à parte. Na cidade de Haia, Holanda, visitou o Museu Casa do Mauricio, onde está exposto o famoso quadro do artista Johannes Vermeer, “Moça com brinco de pérola”, aproveitando para fotografar a obra, seu objetivo maior.
De volta ao Brasil, reuniu-se com o fotógrafo e designer gráfico, Leto Carvalho, e os dois, em comum acordo, resolveram usar como modelo, uma das pesquisadoras do grupo, a mestranda Fernanda Barbosa. O trabalho, inspirado no quadro de Vermeer, foi realizado no jardim do museu Carlos Costa Pinto, em Salvador.
Para a composição da foto, foi utilizado turbante montado em malha azul com estampa Amores de Oxum, assinado pela designer baiana Goya Lopes, finalizado com cetim dourado, acervo da produção, como também a jaqueta e a camisa branca alfaiataria. Já o brinco de pérola, uma doação da joalheria A&T, foi confeccionado especialmente para esse fim.
Moça com brinco de pérola
Em seu texto, escrito em parceria com a doutoranda Gina Rocha Reis Viana, sob o título “ O Prazer do Belo: na tela e na aparência”, Renata Pitombo vai procurar no filme de Peter Webber, “Moça com brinco de pérola”, a maneira de contar todo o processo criativo do famoso quadro de 1665, do artista holandês Johannes Vermeer, que dá nome à película.
O filme exibe a criação da obra, a começar pela confecção dos materiais, dos pigmentos (malaquita, carvão de osso, cinábrio e moedor), além de mostrar as cores conseguidas de maneira inusitada, e alguns artefatos e técnicas como a câmara escura, até chegar à finalização do quadro para apreciação do espectador.
A tela de Vermeer tem como foco um brinco de pérola, e é considerada uma das obras primas da humanidade. Retrata o rosto enigmático de uma bela moça, – uma criada da casa do artista-, criando um jogo de luz e sombra, produzindo um efeito de forte realismo.
Quem assistiu ao filme e apreciou o quadro pode constatar que a beleza aflora de modo intenso através da obra do diretor e do pintor. A princípio, poderíamos até afirmar que: é belo o filme, é bela a tela, é bela a moça, é bela a pérola, afirma Renata Pitombo, acentuando entretanto, que “a beleza não está no filme, na tela, na moça, e nem mesmo na pérola, pois o belo não é uma propriedade intrínseca de uma paisagem, objeto ou pessoa, mas é justamente o sentimento que nos invade quando nos defrontamos com algo ou pessoa que nos suscita prazer”.
Corpo Gordo
Outro artigo interessante é assinado pela pesquisadora Rosane da Silva Gomes. Numa sociedade em que o corpo magro é ideal de beleza, ela resolveu refletir sobre o oposto: o corpo gordo. Em seu artigo, “Identidade e Identificação: o Corpo Gordo, a beleza e a moda plus size”, ela faz considerações sobre as questões relacionadas à aceitação e à autoestima, como também ao preconceito social que persiste contra as pessoas que se encaixam nesse padrão.
A verdade é que tudo que se refere ao gordo é imediatamente ligado ao feio e desleixado, bem distante do ideal de beleza. Não por acaso, as academias estão repletas de pessoas, homens e mulheres, jovens e maduros não apenas em busca de saúde e bem-estar, mas sobretudo com as atenções voltadas para a estética.
A professora Rosane aponta uma discussão recorrente na atualidade: a dicotomia entre o corpo do gordo e a moda plus size. Segundo ela, não raras vezes, homens e mulheres acima do peso reclamam que não se sentem representados nos modelos que fazem a apresentação das roupas para gordos, a chamada moda plus size. Pesquisadores que se debruçam sobre o tema, preferem até usar a nomenclatura “Moda para gordos”, pois entendem que define melhor a moda para pessoas com pesos maiores.
Já o termo plus size está associado à moda e à beleza, acenando para novas escolhas e possibilidades para vestir-se de um jeito moderno e estiloso. Desse modo, a sociedade impõe sobretudo ao feminino, a chamada ditadura da beleza, na qual tudo aquilo que foge aos padrões é motivo de cobrança, numa disputa contra o próprio corpo, no sentido de atingir o ideal do belo.
Além da introdução instigante do professor e pesquisador Monclar Valverde, a coletânea apresenta ainda os artigos “Digressões sobre Beleza, Cidades, Corpos e suas Modificações”, por Beatriz Ferreira Pires. “Um Corpo em Ondas: a poética do estudo da água de Isadora Duncan”; de Hanna Claudia Freitas Rodrigues. O Dandismo de Arthur Bispo do Rosário: a vida como obra de arte”, de Etevaldo S. Cruz. “Corpo, Moda e Beleza: desfiles de moda como campos de possibilidades corporais”, por Renata Costa Leahy . “Primeiro a Bixa é Bonita, Segundo, ela Fecha: A dimensão sensível através das vestes de Tikal”, por Baga de Bagaceira Souza Campos.
E mais: “Keeping Ut With Kardashians: A Naturalização dos Reality Shows e a Nova Concepção de Corpo Feminino”, de Clécia Junqueira. “Corpo, Beleza e Esporte na Imprensa Baiana:1916-1928”, de Henrique Sena dos Santos. “A Imagem do Corpo e a Imagem Bela das Revistas de Moda, por Larissa Molina Alves. “O Corpo Belo na Publicidade e na Moda”, por Fernanda Barbosa dos Santos. Corpos Magros, Corpos Belos: ideal de beleza e mídia”, por Naiara Moura Pinto.
Como se vê, a coletânea apresenta textos diversificados e atraentes, valorizados pela narrativa rica e criativa dos autores, explorando questões ligadas ao corpo, à beleza, às artes e à aparência.
Socorro Pitombo é jornalista diplomada pela UFBA
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