Dias atrás escrevi que, ao assistir a um filme de faroeste italiano, tive a inspiração de lançar o candidato Ninguém nas eleições aqui e em países democráticos. Ela, a inspiração, surgiu em razão da perplexidade que tomou conta do mundo após a vitória de Donald Trump. Com a morte de Fidel Castro ocorreu-me lançar também em Cuba a campanha que reputo já vitoriosa, “Vote por Nadie”. Em votação honesta, com vigilância da ONU, Nadie, certamente, teria mais de 51% os sufrágios e afastaria da Presidência da ilha o eterno candidato-irmão, Raul Castro. Viva Cuba Libre! Próxima etapa: H?KTO – Ninguém em russo.
Acredito que, a título de zombaria, um dos meus dez leitores sugeriu que eu, como diletante do gênero Western, indicasse um filme que oferecesse, de alguma forma, uma analogia com a situação de anomia que vivemos em nosso país. De imediato, não me ocorreu nenhum título em particular. Mas, fazendo-me às vezes de roteirista, pude imaginar uma cidade dominada por bandoleiros, xerife, prefeito e juiz corruptos; população atemorizada e muitas vezes também aliciada por pequenas sinecuras e favores; índios e mexicanos vagando desocupados pelas ruas, fazendo biscates em troca de esmolas. Os habitantes à espera de um anjo redentor que irá livrá-los de todos os males. Na virada da trama aparece o salvador que é, de alguma forma, cerceado pela estrutura de poder instalada… A continuação fica por conta do(a) leitor(a). Será que ele lutará sozinho contra o mal? A população irá apoiá-lo? Os lenços que os bandoleiros usam para ocultar seus rostos e garantir impunidade já não têm serventia. Todos os conhecem. O povo irá às ruas? De minha parte, entrego a você, que me lê, o desenrolar da história. Permito-me, entretanto, sugerir um título: “O lenço do bandido”. Veja por quê.
O jornal Folha de São Paulo informou, em sua edição do dia 14 [de novembro de 2016], que um terço das ações penais contra parlamentares com foro privilegiado, concluído nos últimos dez anos no STF (Supremo Tribunal Federal), foi arquivado por prescrição dos crimes. FSP avaliou 113 ações encerradas de janeiro de 2007 a outubro de 2016. Do total, 37 tiveram a prescrição reconhecida pelo tribunal e 5 resultaram em condenação, mas as penas estavam prescritas. Quando o processo não se encerra em tempo hábil, o Estado perde o direito de punir o réu. O foro privilegiado garante que detentores de alguns cargos públicos sejam julgados, em casos de crimes, somente por tribunais, sem passar por juízes de primeira instância. No Senado tramita desde 2013 uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do senador Álvaro Dias (PV-PR) e relatada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) que abole o foro privilegiado com exceção de ações sobre crimes de responsabilidade. Países como EUA e França, por exemplo, não mantêm essas regalias. O presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) Roberto Veloso afirmou que o número de casos prescritos no STF traz consigo a impunidade. Disse ainda que a posição da entidade, que representa 1.870 magistrados federais, é pelo fim do foro privilegiado, inclusive para juízes. Segundo ele, só o Brasil tem um foro dessa natureza. São 22 mil cargos que têm essa proteção. Extraído da FSP.
A imagem do Supremo poderia ser diferente, mesmo sem a reforma constitucional (alteração de suas competências) de que tanto necessita. Bastaria a instituição de uma pauta racional de trabalho, com fixação de prazos rígidos de tramitação e, convenhamos, com redução do palavrório inútil (nos autos e fora dos autos).
Falta choque de gestão no STF. Por que não estabelecer prioridades de julgamento, entre elas as causas criminais, para reduzir o risco de prescrição? Por que pedidos de vista são instrumentos para adiar indefinidamente a solução dos litígios? Por que liminares se perpetuam, como a que concedeu o pagamento de auxílio-moradia a todos os juízes do país?
Sem olhar para o futuro, o Brasil busca caminhos legislativos esdrúxulos. Além das tentativas de anistiar o “caixa dois”, acaba de ser aprovada pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados projeto de lei que inverte a ordem das coisas para proteger a reputação de parlamentares: veda a transmissão ao vivo ou gravada, com ou sem edição, dos julgamentos criminais e cíveis, como se o olhar da opinião pública representasse um perigo institucional.
“A heterodoxia (expressão usada pelos dois ministros durante o bate-boca do STF) está, na verdade, no caráter personalíssimo do funcionamento da Casa. O Supremo se converteu em 11 gabinetes autônomos, cada qual com sua plateia e sua pauta ideológica. Não é assim que se transmite segurança jurídica.” (Luis Francisco de Carvalho Filho em FSP, 12/11/2016)
Prof. Teomar Soledade Júnior
Publicado originalmente em 30 de novembro de 2016