por Socorro Pitombo*
Vivemos num mundo cada vez mais conectado, tanto é assim que até as crianças nos dão verdadeiras aulas, quando se trata de internet. Digo isso porque em casa temos um bom exemplo. O meu netinho, de sete anos, navega nas redes sociais com uma desenvoltura de dar inveja a muitos adultos. Ao que parece, essa geração já nasceu conectada!
É o caso de perguntar-se: isso é bom? Nem sempre. Há de se tomar muito cuidado, pois tudo em excesso tende a se tornar nocivo, prejudicial. A premissa também é verdadeira para os adultos, que estão cada vez mais dependentes desse “aparelhinho mágico”, que já se tornou uma extensão das mãos, ou melhor, do corpo inteiro.
Nos dias de hoje, é muito comum encontrar grupos de pessoas, que não interagem entre si, não estabelecem uma conversação, tão distraídas estão, cada uma imersa no mundo particular do seu celular. Essa situação se repete em bares, restaurantes, consultórios médicos, fila de bancos e em outros diferentes locais.
De fato, como nos chamava atenção Marshall McLuhan, os meios de comunicação como extensões do homem, interferem nos nossos comportamentos, remodelam nossos hábitos e acabam por incidir sobre nossos valores. Ao enunciar que “o meio é a mensagem”, McLuhan deslocou a atenção dos enunciados, daquilo que se diz, e procurou enfatizar o efeito do ato comunicacional em função dos seus suportes midiáticos, revelando a força de cada mídia na modelagem das estruturas sensório-motoras do homem, agindo sobre suas práticas comportamentais e, portanto, sobre seus gostos, condutas e valores.
Os 50 anos de criação da internet nos faz lembrar que as grandes invenções como a prensa tipográfica de Gutemberg e a própria internet, impulsionam o progresso, transformando a sociedade através da comunicação. Mas é certo também que as novas tecnologias, ao espalhar rapidamente a informação, também contribuem para disseminar a desinformação e o ódio, interferir em eleições e incitar à violência, como é o caso das fake news, tão recorrentes nos dias atuais, sobretudo quando o assunto é política.
Em extensa matéria originalmente publicada na The New Yorker e traduzida para a revista Época, o autor, Andrew Marantz, nos mostra claramente que as notícias falsas, ou fake news não representam um artifício da atualidade. Muito pelo contrário, tudo indica que já nos idos de 1477 aparecem em um dos primeiros livros publicados em larga escala, em inglês, Os Ditos e Ditados dos Filósofos.
O livro, conforme revela a reportagem, era uma lista por capítulos, de pensadores antigos, contendo “o que eles disseram ou o que se diz que disseram”, e ilustra muito bem a omissão e até mesmo a distorção e inverdade de informações. Ao que parece, o volume inteiro estava saturado do que chamamos agora de fake news.
A verdade é que os grandes avanços, ao mesmo tempo em que trazem transformações positivas para a humanidade, também contribuem para nos mostrar o seu lado negativo. A prensa esteve envolvida na reforma Protestante de Martinho Lutero, como também no Renascimento e na Revolução Científica.
Mudanças similares vieram a reboque na era da informação, trazendo, entretanto, o lado obscuro da rede de computadores. Entre outros exemplos, podemos citar as correntes de e-mails; novas maneiras de invadir redes de computadores, enfim, tudo aquilo que estamos assistindo nos dias de hoje.
Quando Mark Zuckerberg lançou o Facebook, em 2004, longe estava de pensar que essa ferramenta poderia ser usada de maneira negativa. Juntamente com alguns colegas da Universidade de Harvard, responsáveis pela criação do site, a princípio ele queria apenas compartilhar fotos, marcar encontros, estabelecer uma comunicação entre amigos. O site expandiu-se para outras universidades dos EUA e de outros países. Em 2014, já como empresa, adquiriu o aplicativo WhatsApp, tornando-se a maior rede social do planeta.
O fato é que, para eles, estava implícito que conectar o mundo era, em essência, uma coisa boa, tanto que a introdução de novas ferramentas chegou a ser comparada com a invenção do martelo ou da lâmpada, nunca com uma arma. Não se pensou nisso, dizem os agora empresários das redes sociais.
Diante de pressões de toda ordem, desde as internas, impostas por investidores até a fúria das pessoas às redes sociais, Zuckerberg anunciou a criação de um conselho independente, – já apelidado de “Suprema Corte do Facebook” – que deverá iniciar atividades no próximo ano, para ouvir apelos de usuários que acreditam que seu discurso foi injustamente reprimido ou que não foram suficientemente protegidos contra assédios. Desse modo, crescem as responsabilidades do Facebook que, além de resolver conflitos, passa a atuar também como moderador de conteúdo em geral.
“Uma das lições mais dolorosas que aprendi é que, quando você conecta 2 bilhões de pessoas, você vai ver toda a beleza e a feiura da humanidade”, afirmou o empresário, que certamente nunca pensou sobre o quanto pode ser explosiva a liberdade de expressão, quando mal utilizada.
*Socorro Pitombo é jornalista
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