Pegou fogo, não se sabe como e nem porquê, mas dizem os bombeiros e os pescadores da Rampa do Mercado Modelo, na velha cidade do Salvador, na mais velha Bahia, que foi coisa de um grupo de vadios que cozinhava aos pés da arquitetura, o “Monumento à Cidade do Salvador”, projetado, construído e instalado pelo original artista plástica Mário Cravo Júnior, que morreu ano passado. Um dos últimos artistas plásticos do chamado Grupo de Jorge Amado.
A peça de arte era batizada de “Monumento à Cidade do Salvador”, mas os jornalistas à época, ano de 1970, quando foi instalada na Praça Cayru, ali perto do prédio da Marinha chamou de “Fonte da Rampa do Mercado”.
Já o povo não gostou, não entendeu e batizou de pilhéria como os “bagos” do prefeito.
Os artistas locais que sempre se detrataram nos bastidores, por sua vez, chamaram de os “bagos” de Mário Cravo”.
Certo é que era uma obra emblemática que nunca passou desapercebida, embora os guias de turismo tivessem enormes dificuldades para explicar aos de fora e aos mais novos daqui mesmo o que ela queria dizer.
A obra, pelo que se podia perceber, parece ter sofrido uma influência dos desenhos do arquiteto Oscar Niemayer, que construiu Brasília, até porque parecia excertos dos suportes do Palácio da Alvorada, coisa que Mário Cravo nunca admitiu.
Quem encomendou a obra foi o velho ACM. Arte no estilo modernista, em fibra de vidro – uma novidade em Salvador principalmente com aquelas dimensões – para contemplar o que estava sendo feito na cidade visando sua atualização urbana.
Ali, na Cayru já não tinha mais o terminal de bondes e ônibus fazia tempo. Anos antes tinha sido inaugurada a Avenida Contorno ligando a Cidade Baixa à orla Sul e Salvador passava por um surto de modernização sem precedentes.
A incompreendida obra competia com o Elevador Lacerda como cartão postal da Bahia.
Dizem que foi achado depois do local ter sido consumido pelo fogo, restos de roupas e de alimentos. Trata-se de mais um fato a completar o folclore sobre o monumento.
Desde sua instalação em 1970 que ele gerou debates e com o passar do tempo até seu conceito criativo foi ganhando versões.
Interessante é que esqueceram de perguntar ao autor qual foi sua ideia. A versão mais espalhada é que o desenho – sua forma -, representava as velas dos saveiros que até os anos 1960 singravam com belezura por toda Baía de Todos os Santos, Ilhas, costas, contracosta, subúrbio e mar alto.
Mas, não. O próprio Cravo numa rara vez disse que as formas do monumento lembravam – dentro da sua brilhante cabeça – os brotos, sementes, germinando, bulbos, nascendo, crescendo. A natureza representada. Nascimento, renascimento, vida nova.
Obra feita com matéria-prima ainda nova. O fogo levou, mas, em várias culturas o fogo é purgação para o renascimento. E Mário Cravo sempre foi uma espécie de Fênix.
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Jornalista e escritor. Autor de “Histórias da Bahia – Jeito Baiano” e “Baianidade…”. Email: Jolivaldo.freitas@yahoo.com.br
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