Saudade! Esse é o sentimento que ocupa o coração de cada um de nós. O violão silenciou, aquele mesmo instrumento cujos acordes nos deixavam arrepiados, encantados com o som do que se convencionou chamar de “frevo trieletrizado”, que invadia a praça Castro Alves nos dias de Carnaval.
Uma querida amiga me diz ter saudade de acompanhar Moraes Moreira descendo a ladeira de São Bento lotada de gente e sem medo. Verdade, nessa hora bate a recordação de tudo, da mocidade, dos tempos idos, quando o simples andar pelas ruas não oferecia o menor perigo.
Perdemos Moraes Moreira, é fato. Mas a sua música permanecerá viva nas dezenas de discos que gravou ao longo de uma história de sucesso. Foram 50 anos de carreira desse baiano de Ituaçu que, com a sua música, conseguia levantar o chão da praça… para a alegria dos foliões.
Cantor, compositor, músico e um dos fundadores do grupo MPB Novos Baianos, Moraes Moreira nos deixa o legado da sua música, que levou alegria por esse Brasil afora, em shows e outras apresentações durante a carreira solo. Foi o primeiro cantor de trio elétrico, o trio de Dodô e Osmar, e são dessa época as lembranças que guardo comigo dos carnavais de Salvador.
A praça Castro Alves era o point. Íamos chegando no finzinho da tarde e escolhendo a melhor localização das barracas — naquele tempo não havia camarote — que pudessem acomodar entre oito e dez pessoas, que compunham nosso grupo. Uns de Feira, outros de Salvador, não importa, estávamos unidos num só propósito, nos divertir nos quatro dias de festa.
Ali, a gente se encontrava com Nei Matogrosso, Caetano Veloso, e outros tantos que se tornariam ícones da música brasileira. Sem tietagem, vale dizer. Tudo muito natural. Mesmo porque eles estavam no começo da carreira.
Na terça-feira, último dia da festa, era dia especial, do tão esperado encontro dos trios. E a gente lá, aguardando, brincando, esbanjando animação e alegria. Afinal, o Carnaval ia chegando ao fim e era preciso aproveitar todos os momentos. A madrugada raiando e a gente lá, esperando o grand finale.
O dia já claro e os trios iam chegando. Impossível descrever a emoção daquele momento. De pé nas mesas das barracas para melhor apreciar o espetáculo, acompanhávamos em êxtase o duelo das guitarras, cada um dos músicos fazendo a sua melhor performance. E lá estava Moraes Moreira, como ele mais gostava, no trio elétrico, arrebatando multidões.
Mas, já era quarta-feira, e a luz da manhã inundava toda a praça anunciando que um novo dia estava começando. Era chegada a hora de voltar para a realidade da vida. E esta mesma realidade nos diz apenas: Acabou Chorare.
Feira de Santana, 13 de abril de 2020
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