Neste julho não tem Bando Anunciador! A pandemia da Covid-19 tirou das ruas o alegre cortejo, que antecede os festejos em louvor a Senhora Sant’Anna, padroeira da cidade. Neste julho não tem zabumba, foguete nem mascarados. Na madrugada fria só o silêncio e a preocupação com a pandemia. Mas tudo isso vai passar e, com certeza, ano que vem o Bando estará de volta com mais força, irreverência e espontaneidade.
Acompanho essa tradição desde menina, quando a festa de Sant’Ana era realizada em janeiro, com direito a tocatas pelas filarmônicas Vitória, 25 de Março e Euterpe Feirense; Lavagem da Igreja e Levagem da Lenha.
Dois meses antes da festa, acontecia o Bando Anunciador.
A véspera do desfile era cercada por grande expectativa! Eu e minhas irmãs, ainda pirralhas, praticamente não dormíamos, esperando o grande momento. Ao primeiro sinal dos foguetes e gritinhos dos mascarados descendo o beco do Mocó, pulávamos da cama, ansiosas para ver o cortejo; um misto de receio e curiosidade, pois tínhamos medo das caretas!
Morávamos na rua Direita, hoje Conselheiro Franco, onde tudo acontecia.
Naquele tempo, como ainda hoje, era tudo muito espontâneo, quase improvisado. Lembro que o meu irmão, então um rapaz, desfilava com um grupo de amigos, todos vestidos de mulher; sapatos de salto alto, sutiãs, colares, brincos e outros acessórios eram tirados sorrateiramente das gavetas dos armários da minha mãe. O ponto de encontro do grupo era a nossa casa, por estar situada próximo à praça da Matriz, de onde saía o cortejo.
A verdade é que o Bando marcou a minha vida. Já adulta, como jornalista, assessora de imprensa do Cuca, órgão vinculado à Universidade Estadual de Feira de Santana, tive a oportunidade de trabalhar no projeto de retomada do evento. Era o ano de 2007, quando iniciamos os preparativos, visando resgatar essa antiga tradição, interrompida em 1987 por determinação da Prefeitura Municipal e da Diocese de Feira de Santana. A alegação era que o evento estava descaracterizado, com a introdução dos trios elétricos e o consumo de bebidas alcoólicas.
Não se destrói uma tradição. Ainda que sufocada, tem força para renascer. E foi o que aconteceu com o Bando Anunciador. Recomeçou de maneira tímida, contando basicamente com o público da UEFS. Mas esse impulso foi o bastante para acender no coração do feirense o desejo de ter de volta a mais rica manifestação da cultura local.
No ano seguinte o Bando cresceu. E assim sucessivamente, agregando vários grupos, vindos dos mais diferentes bairros, como Olhos D’Agua, Chácara São Cosme, cada um se esmerando parar apresentar o melhor.
Organizar o Bando Anunciador, como ainda hoje, não era nada fácil. Costumávamos ficar reunidos até tarde no Cuca, empenhados nas nossas tarefas. Eu atuava na divulgação do evento e acompanhava de perto o trabalho de pesquisa, a confecção dos adereços, dos estandartes, faixas e outras peças que davam colorido especial à manifestação de rua.
No dia do desfile tão esperado, de manhã, bem cedinho, quem chegava ao Cuca era recebido com um mingau de tapioca ou de milho verde. Era o nosso combustível para acompanhar o cortejo até o fim, sem perder o ânimo. Tudo pensado nos mínimos detalhes.
Fui até madrinha do Bando! Ainda hoje guardo comigo a faixa de seda com as letras abertas em lantejoulas douradas. Uma grata lembrança!
Feira de Santana, 14 de julho de 2020
Foto: arquivo Blog da Feira (2014)
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