Tarde fria de agosto, no sofá da sala, tento escrever sobre o ofício da escrita. Metalinguagem? Que seja. O certo é que esse tema tem me perseguido ultimamente. Mas não sei bem por onde começar. Escrever não é tarefa muito fácil. Juntar as letras, formar palavras, as frases, parágrafos até chegar ao texto, demanda conhecimento. Da língua portuguesa, com certeza. Há de se ter, também, um certo pendor, vocação para a escrita, isso é indispensável.
A verdade é que sempre gostei de escrever, desde menina. Ainda no curso primário – hoje fundamental – as minhas redações eram lidas no final da aula, como exemplo de bom texto para os colegas. Aos poucos fui apurando também o gosto pela leitura. Lia sempre com a ajuda de um dicionário. Desse modo, ia anotando as palavras cujo significado era para mim era desconhecido e assim alargando o meu vocabulário. Trilhando esse caminho não foi difícil chegar ao jornalismo. E aqui estou, escrevendo.
O certo é que nós, os profissionais da escrita, escrevemos o tempo todo; enquanto lavamos a louça, passeamos de carro ou tentamos dormir. As palavras borbulham em nosso cérebro. Claro que é uma escrita sem texto físico. “Mas qualquer narrador profissional sabe que se escreve sobretudo dentro da cabeça.” Cunhei essa última frase da escritora espanhola Rosa Montero, em seu livro A Louca da Casa, onde descreve a inquietude que envolve a imaginação na composição de um texto.
É assim com o romancista, mas também com o jornalista. Quando estamos escrevendo ficamos alheios a tudo que se passa à nossa volta. Mergulhamos em um mundo particular onde as palavras dominam por completo o nosso pensamento. Criar um texto, à primeira vista, pode parecer fácil, mas também pode ser sofrido. E aqui eu lembro de Elisabeth Bishop, considerada uma das mais importantes poetas do século XX a publicar em língua inglesa, mas que levava semanas, até meses para compor um poema, burilando cada verso até encontrar a melhor palavra para expressar os sentimentos que lhe iam na alma.
E lá vou eu misturando jornalismo com literatura. Mas é que as duas atividades se relacionam, se complementam. O real e o ficcional se confundem nessa tarefa de expressar os acontecimentos ou os nossos pensamentos. Agora mesmo acabei de usar uma citação literária na elaboração desse texto. Falar de literatura e de jornalismo é falar da vida; da própria vida e da vida dos outros, vai nos lembrar, mais uma vez, Rosa Montero. É falar de alegria e de tristeza, de sonho e realidade. De modo que não há como dissociar uma coisa da outra.
Cá entre nós, um bom texto tem o seu lugar! Eu poderia desfilar aqui uma relação extensa de profissionais que dominam com maestria a arte de escrever. Sejam eles, jornalistas ou romancistas. Mas prefiro não citar nomes para não cometer o erro de esquecer um ou outro igualmente importante. Mas que é estimulante ler ou escrever um bom texto, isso é inegável; nos instiga, emociona, enriquece e nos dá prazer.
Me preocupa a juventude de hoje, acostumada a se comunicar por mensagens abreviadas e áudios, utilizando o celular. Nesse aparelhinho, que já se tornou indispensável na vida de todos nós, ficou perdido o exercício da escrita de forma correta. Me assusta o que leio nas redes sociais! De vez em quando um leitor mais exigente corrige de maneira delicada. Outros, nem tanto. A língua portuguesa agradece.
E vou ficando por aqui, que essa prosa já está se alongando demais. Vou levando a vida como posso. Um dia leio, noutro escrevo; leio mais que escrevo. Aqui, no sofá da sala, nessa tarde fria de agosto, vou tentando concluir esse texto, na certeza de que terminar é tão difícil quanto começar.
Feira de Santana, 10 de agosto de 2020
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