As cidades representam locais de alta densidade populacional, sendo vulneráveis e impactadas por amplos fatores. O desenvolvimento urbano de qualquer cidade traz reflexos sobre a atividade econômica, produtiva, ocupação do solo e as condições de vida dos que habitam em cidades. Neste cerne, os impactos negativos da pandemia da COVID-19 à saúde causaram a necessidade de impor medidas de contenção, com riscos significativos e perdas econômicas, sociais e ambientais para as pessoas, a comunidade empresarial e os governos.
A instabilidade na estrutura produtiva de pequenas e médias empresas, a ampliação dos níveis de desemprego, a potencial redução de arrecadação tributária de municípios, a fragilização e precarização das condições de moradia e o aprofundamento das desigualdades são alguns destes impactos e desafios urbanos.
A retração da atividade econômica com efeitos no aumento de pessoas desempregadas, sem dúvida, é um dos reflexos que merece especial atenção de empresários e governantes. De acordo com estudo da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL) divulgado no relatório especial COVID-19 Num. 5 (2020), áreas de serviços, como turismo, aviação, hotelaria, restaurantes, entretenimento e comércio, com exceção dos supermercados e farmácias, são os setores mais afetados. Este cenário, segundo a CEPAL, revelou que a atividade total da economia brasileira em abril de 2020 havia diminuído 15,1% em relação ao ano anterior.
Outro aspecto refere-se ao enfrentamento das desigualdades, que, de acordo com o relatório da CEPAL (2020), em relação ao Brasil, a população em situação de pobreza extrema em 2020 aumentará, alcançando 26,9% dos habitantes do país neste ano. Atualmente, um bilhão de pessoas em todo o mundo vive em favelas e assentamentos informais, geralmente sem acesso confiável e fácil a vários serviços públicos e sem moradia adequada, como aponta a ONU (2020) no recente estudo denominado resumo da política no mundo urbano a partir da COVID 19.
Recorda-se o dito por Katia Maia, Diretora Executiva da OXFAM Brasil (REDS, 2020): que será necessário um novo pacto social que redistribua a riqueza. O tema fiscal, para ela, é fundamental para o enfrentamento da crise, um desafio que permita uma regulação que reduza as desigualdades. Professor Jeffrey Sachs (2020) lembrou que, mais uma vez, se testemunha os enormes custos da desigualdade de massa, com uma governança inepta, desconfiança social e uma enorme população de pessoas vulneráveis incapazes de se proteger da pandemia, que, segundo ele, está aumentando ainda mais as desigualdades, e seus custos certamente aumentarão, pois os governos famintos por receitas cortam orçamentos e serviços públicos vitais para os pobres (tradução nossa).
Quando vier o pós-pandemia, ainda incerto, pelo menos no Brasil, teremos o que começamos a chamar de “Novo normal ou Nova Normalidade”, que trará desafios, riscos, mas também oportunidades, para perseguir uma cidade mais resiliente, inclusiva, igualitária e mais preparada. Daí, refletirmos sobre qual o formato produtivo assegurará trabalho, renda, dinâmica econômica com impacto social e redução dos níveis de desigualdade social. Esta chamada nova normalidade clama para uma reconfiguração da economia local, através do que pode ser denominado de “Novo Pacto Social”. Neste contexto, uma governança pública e privada que integre todas as partes interessadas e o esforço fiscal com vistas a um pacto social inclusivo, proteção da capacidade produtiva, e uma profunda reforma fiscal que possibilite melhorias e avanços, torna-se necessária e vital.
Consideramos como um dos desafios das cidades, no cenário pós-pandêmico, uma reconfiguração do modelo produtivo atual para um baseado em negócios sustentáveis e de impacto social, com vistas a assegurar trabalho, renda e dinâmica econômica. E, nesse ambiente, os 17 compromissos da Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) representam uma estratégia de Responsabilidade Social Corporativa (RSC) como uma reação das consequências humanas, sanitárias e econômicas que essa pandemia tem para a população das cidades.
Por fim, é vital um esforço para fortalecer as capacidades dos atores locais, para enfrentar as desigualdades, o fortalecimento dos governos locais, a adoção de uma tributação justa, social, inclusiva e com incentivos fiscais sustentáveis. E, sem dúvida, perseguir uma recuperação econômica verde, resiliente e inclusiva, integrada aos ODS, para repensar e remodelar o mundo urbano.
Fontes de inspiração:
AZEVEDO, Tânia Cristina. GARCIA, Isabel María García. PINHO, Lorena. BARREIROS, Ana. Desafios das cidades após o COVID 19 – integrando os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável à nova normalidade. Mesa redonda – Jornada Virtual UEFS. agosto, 2020. Feira de Santana, 2020.
CEPAL, Comissão Econômica para América Latina e o Caribe. Relatório especial COVID-19 N? 5 – Enfrentar los efectos cada vez mayores del COVID-19 para una reactivación con igualdad: nuevas proyecciones. 2020. Disponível em: https://www.cepal.org/pt-br/comunicados/os-impactos-pandemia-setores-produtivos-mais-afetados-irao-alcancar-terco-emprego-quarto. Acesso em: 26 jul. 2020.
REDS,Red Española para el Desarrollo Sostenible. 7 de mayo: La misión de no dejar a nadie atrás: repensar la cooperación y la gobernanza global frente al COVID19. Diadespues. Disponível em: https://diadespues.org/evento/la-mision-de-no-dejar-a-nadie-atras-repensar-la-cooperacion-y-la-gobernanza-global-frente-al-covid19/. Acesso em: 07 maio 2020.
Sachs, Jeffrey. Como a desigualdade alimenta as mortes de COVID-19. Project Syndicate. Disponível em: https://www.project-syndicate.org/commentary/inequality-fuels-covid19-mortality-by-jeffrey-d-sachs-2020-06? , 01/07/2020. Acesso em: 26 jul. 2020.
UN, United Nations. General Assembly. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development, 70/1, New York Resolution adopted by the General Assembly on 25 September 2015. Disponível em: http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/70/1&Lang=E. Acesso em: 08 ago. 2020.