O campus em Feira de Santana do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), situa-se no Bairro Aviário. Esta afirmação não tem a pretensão de sobrepor a presença do primeiro ao território do Bairro (existente anterior à implantação do IFBA), para não correr o risco de reproduzir uma postura colonizadora. Na realidade, a afirmativa propõe uma reflexão sobre o IFBA tomando o Bairro como diretriz, mas ambos como lugares políticos e de disputas de narrativas, produzidas por/sobre/para um território material e político: o Bairro Aviário.
Narrativas legitimaram o entendimento do Bairro Aviário como estigmatizado pela violência e pelos rótulos de criminalidade. O Aviário ficou conhecido popularmente como bairro periférico e seus/suas moradores/as como uma população menos abastada economicamente. Na tentativa de desconstruir essas ideias negativas e estigmatizadas sobre o Bairro, o IFBA assumiu a necessidade de situar o Bairro e seus/moradores/as, trabalhadores e trabalhadoras, como protagonistas em seu próprio território político-social e em sua trajetória histórica, para isso há que se reivindicar seus/suas moradores/as, sujeitos e sujeitas, no foco de suas próprias experiências e o IFBA como incentivador e interlocutor desse processo.
Desde a sua implantação em 6 de março de 2012, o IFBA funciona com atividades de ensino, pesquisa e extensão distribuídas em três turnos (manhã, tarde e noite), com cursos regulares voltados ao eixo tecnológico em Edificações, Eletrotécnica e Informática. O aumento do número de discentes matriculados nos cursos regulares ainda é um alvo a ser atingido, principalmente em relação à garantia de acesso e permanência de estudantes moradores do Bairro Aviário e dos demais bairros populares de Feira de Santana. Essa garantia está diretamente ligada à consolidação de um conjunto de demandas, como as Relações Comunitárias, Pesquisa Participante, Extensão Popular e Tecnológica, e verbas para garantir políticas públicas.
O IFBA tem como um de seus pilares uma educação socialmente referenciada. E, pensando na responsabilidade política e social para com o Bairro, o IFBA tentou, de forma processual, compreender os anseios dos/as moradores/as do Bairro, bem como promover ações de envolvimento contínuo no município de Feira de Santana e no Território de Identidade do Portal do Sertão, através de investidas, ações e projetos de servidores e servidoras do IFBA Feira de Santana.
Isto, a fim de reorganizar as ideias sobre o Bairro Aviário, inclusive no que diz respeito ao lugar político e geográfico do próprio Campus, localização que não é ingênua, do ponto de vista das escolhas dos órgãos governamentais (o terreno de localização do IFBA Feira de Santana cerca a única parte do Bairro que ainda estava sem construções de grandes prédios, salvo as indústrias do Complexo CIS).
A arquitetura escolar do IFBA, antes de tudo, é uma infraestrutura física que é notada no cotidiano do Bairro; seja por alguns/algumas poucos/as moradores/as, que também são trabalhadores/as do Campus, compondo o quadro de funcionários da Escola; seja pela imponência da Instituição, que, pelo seu tamanho, já se mostra hostil ao próprio discurso de negatividade sobre o Bairro; seja pela responsabilidade da localização, que, junto com outros grandes prédios e galpões, forma um triângulo arquitetônico, cercando o Bairro.
Uma breve descrição dessa arquitetura espacial: de frente ao Bairro, encontra-se a BR 324. Ao lado direito: uma empresa multinacional. Ao lado esquerdo: uma grande empresa nacional. Por detrás: está localizado o Complexo Presidiário de Feira de Santana. No meio desse triangulo está o Bairro Aviário, um verdadeiro complexo subdividido em Aviário I, II, III, IV e Conjunto Paulo Souto, mais conhecido como Cidade de Deus.
Neste complexo, moram, vivem, trabalham, militam, constroem, produzem e protagonizam suas vidas aproximadamente 12 (doze) mil moradores/as, convivendo com a ausência de políticas públicas sociais, serviços sanitários e de saúde básica de qualidade; são os graves problemas gerados pela ausência do poder público através dos órgãos governamentais. Ações através de servidores e servidoras do IFBA nos permitiram verificar a organização espacial e social dessa Comunidade, com ausência ou precarização dos serviços públicos mais básicos, mas também revelou uma Comunidade autônoma, politizada e com sua própria subjetivação política. Como em qualquer Bairro popular, faltam-lhes oportunidades.
Em tempos de pandemia, isolamento social e, consequente agravamento das questões sociais e econômicas, a precarização dos serviços e a ausência do poder público marcaram a Comunidade de forma mais incisiva. A urgência da necessidade de ações emergenciais, solidárias e rápidas – decorrência da imersão de servidores na vida cotidiana do Bairro – foi importante para um posicionamento do IFBA, enquanto poder público no Bairro. As ações foram iniciadas em março com uma série de atividades envolvendo as lideranças de coletivos e organizações atuantes no Bairro Aviário. O foco dessas ações, nesse momento de pandemia, foi uma campanha dos servidores para arrecadação de fundos para aquisição de gêneros alimentícios e de limpeza, com destino aos moradores em situação de vulnerabilidade social do Bairro Aviário. O objetivo foi beneficiar diretamente por volta de 300 famílias, com 07 coletas de recursos financeiros, entre os meses de março e agosto, o que foi executado até a presente data.
Esta ação emergencial é, na verdade, a continuidade do que chamamos de Relações Comunitárias do Campus com os/as moradores/as do Aviário, que se materializam, destacadamente, nas diversas ações de Pesquisa e Extensão (projetos, eventos, cursos, assessorias técnicas etc.), visitas ao Bairro versus visitas ao Campus, utilização dos espaços do Instituto pela Comunidade, bem como a divulgação dos processos seletivos nas escolas locais, além de termos na comunidade interna do Campus a presença de discentes e trabalhadores/as terceirizados/as. Isso é um dado, mas como IFBA assumimos que há muito por se fazer para sanar as várias lacunas que interrompem os acessos aos diversos direitos, principalmente no que diz respeito à educação.
Ressaltamos que o referido Bairro luta e se articula diariamente contra as ações de extermínio do estado brasileiro, promovendo estratégias de organização, e que o IFBA necessita estar atento e à disposição da Comunidade para se tornar um agente de desenvolvimento e transformação social, em comum acordo com os interesses da comunidade.
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Daiane Silva Oliveira é Professora do IFBA Feira de Santana. Mestre em História (Programa de Pós-Graduação em História da UEFS). Henrique Oliveira de Andrade é Professor do IFBA Feira de Santana. Mestre em Geografia (Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFBA). Hudson Silva dos Santos é Técnico-Administrativo do IFBA Feira de Santana. Doutorando em Ciências Sociais e Jurídicas (PPGSD-UFF).
foto:Ed Santos/AcordaCidade