Faleceu na manhã desta terça-feira, 23, vítima de um infarto fulminante aos 87 anos, o iraraense Antônio Cardoso, popular “Dinê da Burrinha”.
Dinê começou a “brincar burrinha”, como ele mesmo dizia, com pouco mais de 20 anos de idade, ainda no início dos anos 1960, na comunidade de Boca de Várzea em Irará. “Aí me falaram pra trazer pra cá pra rua e a brincadeira cresceu”, contou Dinê em 2009 durante uma entrevista.
Naquele mesmo ano, Dinê foi contemplado com o prêmio de Mestre da Cultura Popular do Brasil, em edital do Ministério da Cultura, na Edição Mestra Dona Isabel. Em 2012, ele foi a pessoa homenageada dos Festejos Populares de Irará, com citações e ilustrações de sua arte.
Referência
Sempre citado como uma das referências da cultura de Irará, Dinê, com a sua burrinha, animou muitos eventos no município e até mesmo fora dele.
Nos anos 1990 participou diversas vezes da Caminhada Axé, em Salvador, tendo recebido cumprimentos, pessoalmente, do então senador, Antônio Carlos Magalhães.
Dinê também foi um dos personagens centrais da série Bahia Singular e Plural, realizada pelo IRDEB (Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia) e TVE Bahia, sob a coordenação do jornalista, Josias Pires. A burrinha de Irará é apresentada em alguns documentários da série.
No livro “Bahia Singular e Plural – Registro Audiovisual de folguedos, festas e rituais populares”, ao confessar inspiração no clipe de Mama África (Chico César), Josias lembra as gravações. “Dinê da Burrinha de Irará vem do fundo do quadro em direção a câmera, crescendo e acompanhado pelos músicos”, descreveu o autor.
A burrinha de Dinê também é relatada no clássico livro “Pequenos Mundos – Um panorama da Cultura Popular da Bahia”, do professor Nélson de Araújo, publicado nos anos 1980, pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e a Fundação Casa de Jorge Amado.
Produção
No estudo, Nélson Araújo destaca a confecção da Burrinha. O professor lembra a estrutura, criada pelo próprio Dinê, “feita de madeira, papelão e tubos plásticos, com uma abertura no centro, por onde o dançante a enfia até a altura do abdômen”.
A confecção da indumentária do folguedo, sempre com novas ideias e adereços, era questão de honra para o artista. “Cada vez eu mudo ela [a burrinha], por isso que ela é ‘Cambrainha’ tão bunitinha”, disse Dinê na entrevista citada acima.
O nome da burrinha foi inspirado no tecido “cambraia” e o verso, assim como tantas outras canções da brincadeira, é composição dele. Os cantos eram entoados junto a homens tocando pandeiros e outros instrumentos e mulheres fazendo coro.
Nos anos mais recentes, Dinê fabricava miniaturas da burrinha. As réplicas, feitas para serem vendidas a preços módicos, muitas vezes foram dadas como presente a amigos, entusiastas e apoiadores do seu trabalho.
Artesão de mão cheia, compositor e artista de folguedo popular, Dinê nunca pôde viver de sua arte. Até se aposentar, ele foi lavrador, vaqueiro, padeiro e pedreiro em Irará.
Depoimentos
Desde a confirmação da notícia da morte de Dinê, muitas são as mensagens e depoimentos referenciando a figura do artista e lamentando a sua morte.
Para o prefeito, Deirvaldo Pinto, “a cultura iraraense perde muito com a partida dessa pessoa maravilhosa, tão especial que era Dinê”. Derivaldo lembrou que por muito tempo, Dinê alegrou as famílias iraraenses com sua burrinha e disse que “Irará está de luto com a perda do nosso amigo”.
O artesão Zé Nogueira, bastante emocionado, classificou Dinê com um dos maiores cartões postais de Irará, que agora o céu recebe em festa. O artista plástico João Martins disse que “seremos gratos a essa figura da alegria das ruas, que tanto animou os nossos festejos populares”.
Em estado de choque, a capoeirista e agente cultural, Olívia Roberta, compartilhando o mesmo lamento de Dinê, por não ter conseguido fazer um sucessor na Burrinha, lembrou de como ele a chamava carinhosamente de “minha cor”.
“É muito doloroso saber da ausência física de Dinê, o que nos conforta é que ele continuará ser, para sempre, fonte de inspiração”, afirmou o produtor cultural e secretário municipal de cultura, esporte e lazer, Roberto Martins.
De São Paulo, o tropicalista iraranse Tom Zé manifestou a sua solidariedade com o luto. Ele aprendeu com o pai, Sr. Everton, a gostar da burrinha. Quando morava em Irará, Tom Zé curtiu muito a burrinha de Sr. Chagas, um antecessor, e agora admirava a performance de Dinê.
Antônio Cardoso, o Dinê da Burrinha, nascido em 21 de janeiro de 1934, deixa esposa, Dona Conceição, e sete filhos, quatro homens e três mulheres. Além de deixar órfão um município inteiro e todos os amantes da burrinha em qualquer lugar do planeta.