– Vocês estão com saudade do tempo da roubalheira, do comunismo!
A frase por si já dizia muito, mas qualquer um percebia logo que o homem era patriota. Camiseta amarela da Seleção Brasileira, calça preta vincada, puída, sapatos bico-fino, gastos pelo uso. Dirigia-se a uns três interlocutores naquela quina da Praça Froes da Mota que conecta a Sales Barbosa e o beco General Osório. Encerrou o debate com um gesto largo, decidido, imperial, deixando atrás de si as gargalhadas, os gritos debochados.
Enveredou pelo General Osório: talvez o ardente sentimento patriótico tenha influenciado aquela escolha. Entre o poeta Sales Barbosa e o milico General Osório, prestigiou este, avançando lépido sobre os bloquetes do piso intertravado. Seguia-o a curta distância, fascinado pela personagem. Marchava com porte militar, examinando de soslaio as fachadas das lojas.
– Eita!
A interjeição foi para um par de mulheres que passava naquele começo de manhã. Lançou um olhar cobiçoso, contraiu a face numa calculada expressão de desejo, de afirmação de sua irreprimível masculinidade. Só faltou dizer que reforça o escrete dos imbrocháveis. Depois que elas passaram, espichou o olho para os traseiros, aprovando-os enfaticamente, sacudindo a cabeça.
Quando dobrou à direita na Praça do Nordestino, avançou em linha reta pela calçada na direção da Senhor dos Passos. Inflexível, não arrodeava, nem concedia. Na tangente, quase esbarrava nalguns passantes daquela manhã. Na esquina um sujeito de cabelos grisalhos e óculos escuros cumprimentou-o, lançou uma piada sobre futebol. Ele rebateu com a contundência dos convictos. Foi adiante.
Examinava a Senhor dos Passos com olhar agudo. Quem vinha, que desviasse: tinha sempre a preferência, sobretudo em relação às mulheres. Só que, mais à frente, desviou de um sujeito suado, musculoso, empenhado numa obra. Só parou para dirigir um galanteio a uma loira esguia, de vestido longo, que saía de uma loja. Chamou-a de “princesa”, ou algo do gênero. Prefere as loiras, pelo jeito.
Nas cercanias da Praça do Lambe-Lambe, o bulício dos ambulantes, com seus carrinhos, suas frutas e suas verduras. Ali abandonou o porte marcial, o trajeto reto, as passadas medidas. Sorrateiro, com um malandro jogo de corpo, aproximou-se de um carrinho de mão e, furtivamente, afanou uma uva verde que reluzia naquela manhã de sol intermitente, enquanto a vendedora conversava embalando maçãs numa daquelas redes amarelas.
Depois esfregou a uva na patriótica camiseta amarela, mordeu-a e saiu deliciado. Só então reassumiu o porte marcial, a postura intransigente de cruzado contra o comunismo…
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