Depois de muito tempo, vi hoje (29) um soberbo pôr-do-sol, esbraseado e incandescente, típico da Feira de Santana nos meses mais quentes. Durante seis meses apenas intuí crepúsculos nos escassos dias de céu limpo. É que, na sua incessante viagem pelo céu, o sol se põe detrás de um prédio durante o outono e o inverno. Não o vejo, portanto. Mas, neste longo intervalo, um pensamento me conforta: os poentes impressionam pouco nestas estações e, no inverno, nuvens congestionam a orla do céu, encobrindo o espetáculo.
Mas, mesmo nas estações mais quentes, há dificuldades para apreciar o crepúsculo. Já mencionei que, a partir da primavera, livro-me do bloqueio do prédio, mas mais à esquerda estão duas palmeiras imperiais, farfalhudas. Não demora e o sol começa a se pôr detrás delas, impondo novas dificuldades.
É necessário algum esforço e muito contorcionismo para enxergar o astro mergulhando – detrás de distantes montanhas azuis – através das copas eriçadas destas palmeiras, que o vento sacode, indócil, mesmo no verão.
No auge da marcha do sol à esquerda – isso acontece sempre às vésperas de Natal – é necessário recorrer a uma janela lateral. Nela, julgo-me privilegiado: lá embaixo, vejo a gente passando, entretida com suas ocupações cotidianas, alheias ao poente espetacular; e, naquelas bandas de Ipuaçu, o silêncio e a quietude que contracenam tão bem com o crepúsculo, numa cena cinematográfica.
Quando o verão se aproxima, sei que poupo pouco o leitor destas descrições sem cor e sem graça dos crepúsculos. É que o espetáculo entusiasma e o observador acaba se empolgando. Arroubo de sertanejo ufanista. Jurado de um concurso literário, o escritor Graciliano Ramos até registrou essa inclinação de iniciante em uma de suas crônicas: “Contemplei vários poentes, ensanguentados, é claro, como todos os poentes que se respeitam”.
Comenta-se que o horário de verão pode retornar em função da crise energética. Para muitos, seria salutar: pela manhã, acorda-se cedo, conectando-se mais ao amanhecer, às luzes e cores da manhã; à tarde, há mais comodidade para apreciar o poente, sem aquela lufa-lufa do retorno para casa.
Mas a medida ainda depende dos milicos e ex-milicos que, hoje, desgovernam o Brasil. É bom não apostar na sensatez, nem na sensibilidade desta gente.
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