“Não somos corvos para nos alimentarmos de carniça, porém, durante a campanha para as próximas eleições, estaremos contra a inflação, a Lei Falcão, o AI-5, a censura à imprensa e as mordomias”.
A frase é do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, falecido em 1992. Foi proferida na Prefeitura da Feira de Santana no remoto ano de 1976, durante uma visita ao então prefeito José Falcão da Silva. O Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, publicou matéria sobre esta visita em 28 de agosto daquele ano. Aproximavam-se as eleições municipais e, na oportunidade, Guimarães concluía um périplo pelo Nordeste.
Descontando a Lei Falcão – que, obviamente, não se referia ao então prefeito feirense, mas ao ministro da Justiça, Armando Falcão – tudo o mais se aplica perfeitamente à sombria realidade do Brasil atual. A inflação, as tentativas de censura à imprensa e as mordomias da horda no poder estão aí, à vista de todos. Nem é necessário perder tempo esmiuçando-as. Só faltou mencionar a corrupção.
O AI-5, – instrumento de coerção política vigente na ditadura militar – por sua vez, não está em vigor. Mas há irresponsáveis defendendo-o, inclusive um dos filhos de Jair Bolsonaro, o “mito”. O ensaio de golpe no 7 de Setembro, a propósito, naufragou, mas os riscos permanecem colocados e só não os enxerga quem não quer.
A frase de Ulysses Guimarães – lapidar – atesta como se anda em círculos no Brasil. Antigos fantasmas que pareciam sepultados ressurgiram com o clima de ódio das eleições de 2018. Deu nisto aí: no “mito”, nos milicos, nos extremistas religiosos, nos milicianos e na estridente horda de alucinados que almeja uma espécie de apocalipse pagão. Mesmo que a derrocada eleitoral do “mito” se confirme, esta gente provavelmente não vai querer voltar, pacificamente, para as sarjetas ideológicas de onde saíram.
Em meados dos anos 1970, as lideranças políticas eram mais qualificadas. Graças à pressão popular e a um engenhoso xadrez político, a oposição foi avançando e encurralou a ditadura na década seguinte. Em 1976, na Feira de Santana, uma tensa e polêmica eleição conduziu à prefeitura Colbert Martins, um dos mais destacados líderes do MDB baiano à época. O município, com sua vocação oposicionista, mais uma vez alinhou-se às aspirações nacionais por democracia e liberdade.
Ano que vem estes temas de 45 anos atrás estarão novamente na agenda eleitoral. A inflação empobrece e aflige, sobretudo, a população mais vulnerável; a imprensa teima em não ver o mundo maravilhoso do “mito” e de seus acólitos que, a propósito, só existe em seus delírios; e as mordomias? Ah, estas saltam aos olhos o tempo todo, para indignação dos mais conscientes. A claque se contrapõe, fazendo o que sabe fazer com maestria: negar, desmentir, refugiando-se em sua realidade paralela.
Como se disse, ano que vem tem eleição. E a frase de Ulysses Guimarães permanece mais viva que nunca.
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