Vai completar dois anos: quando Jair Bolsonaro, o “mito”, escancarou de vez seu desapego pela vida – dos outros – no começo da pandemia, surgiram vozes defendendo uma grande concertação nacional, uma aliança para derrotar o obscurantismo aboletado em Brasília. Muitos dos que enxergaram essa necessidade – é bom lembrar – apoiaram com entusiasmo a eleição do “mito” que, segundo eles, era mais saudável que o petismo no poder.
Essa concertação, obviamente, excluía os partidos mais à esquerda – a “extrema esquerda”, rotulavam – e deveria resgatar o tosco e ultrapassado projeto liberal que o “mito” abraçara na campanha, mas que naquele momento já descartara. O movimento não foi adiante: nanicos eleitorais e políticos, muitos pré-candidatos assanharam-se, mas mostraram-se incapazes de construir uma aliança que trafegasse fora das conveniências de grandes empresários e do capital financeiro.
O naufrágio dessa terceira via – a expressão surgiu depois – coincidiu com a anulação dos processos contra o ex-presidente Lula (PT) no começo do ano passado. Até aqui, o petista lidera com folga a sucessão presidencial, segundo inúmeros levantamentos. E dedica-se – só que nem todos percebem ou reconhecem – a erigir a almejada aliança ampla, indispensável para remover dos escombros o Brasil conflagrado.
O primeiro passo, como se sabe, foi o diálogo com Geraldo Alckmin, o ex-governador de São Paulo e até há pouco quadro histórico do PSDB. Tudo indica que o experiente político paulista será seu vice. Mas o movimento de Lula estendeu-se à velha guarda tucana – o que inclui o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso –, além de conversas com partidos como o PSD, MDB e até o PP, para quem o “mito” terceirizou o orçamento.
Os diálogos à esquerda vem sendo intensos há tempos e incluem o PSB – o acordo com a legenda avança – o PC do B, o PV, a Rede e até o PSOL, sempre refratário a alianças com os petistas. Lula certamente sabe, porém, que se não ampliar o leque – e não agregar o descontentamento mais geral com o “mito” – seu governo pode ser inviabilizado pelo clima de conflagração que as eleições não necessariamente serenarão, já que a extrema-direita pode permanecer ouriçada.
Os petistas que contestam as alianças que Lula vai costurando com paciência – sobretudo com antigos adversários do PSDB – não conseguem enxergar que o momento histórico é outro e que a viabilidade do governo dependerá desta ampla costura. Aliás, como se sabe, a candidatura é, sobretudo, de Lula, não do petê. O candidato é maior que o próprio partido e o brasileiro médio – esse que sofre aí as conseqüências do desgoverno do “mito” – vota no candidato, não no partido.
O sentimento das ruas aqui na Feira de Santana, aliás, pode ser resumido numa frase lapidar, ouvida ali na avenida Getúlio Vargas:
– Vou votar em Lula, mas quero muito mais me livrar do presente do que voltar ao passado!
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