Brasil:
o nome soa em mim é sino
ardendo fogueira despetalada
em curva de viola
calor de velhas horas no estridor
de coisas novas.
Brasil
meu modo de ser e ver e estar triste e pular
em plena tristeza como se pula alto
sobre água corrente.
Meu país, essa parte de mim fora de mim
constantemente a procurar-me. Se o esqueço
(e esqueço tantas vezes)
volta
em cor, em paisagem
na polpa da goiaba na abertura
de vogais
no jogo divertido de esses e erres
e sinto
que sou mineiro carioca amazonense
coleção de mins entrelaçados.
Sou todos eles e
o sentimento subterrâneo
de dores criativas e fadigas
que abriram picadas
criaram bois e mulas e criam búfalos
e trabalham o couro o ferro o diamante o papel o
{destino.
Por que Brasil e não
outrto qualquer nome de aventura?
Brasil fiquei sendo serei sendo
nas escritas do sangue.
Minha arte de viver foi soletrada
em roteiros distantes?
A vida me foi dada em leis e reis?
Me fizeram e moldaram
em figurinos velhos? Amanheço.
Confuso amanhecer, de alma oferante
e angústias sofreadas
injustiças e fomes e contrastes
e lutas e achados rutilantes
de riquezas da mente e do trabalho,
meu passo vai seguindo
no ziguezague de equívocos,
de esperanças que malogram mas renascem
de sua cinza morna.
Vai comigo meu projeto
entre sombras, minha luz
de bolso me orienta
ou sou eu mesmo o caminho a procurar-se?
Brasa sem brasão brasilpaixão
de vida popular em mundo aberto
à confiança dos homens.
Assim me vejo e toco: brasileiro
sem limites traçados para o amor
humano.
A explosão ingênua de desejos
a sensual vontade de criar
a pressa de revelar a face inédita
a cachoeira, o corisco, o som gritante
o traço americano
o sêmen novo
não me fazem um ser descompassado.
Brasileiro sou,
moreno irmão do mundo é que me entendo
e livre irmão do mundo
me pretendo.
(Brasil, rima viril de liberdade.)
Poema de Carlos Drummond de Andrade extraído do livro “As impurezas do branco”, da Livraria José Oympio Editora, 2ª edição, 1974, capa de Eugenio Hirsch (foto)