“Já não aguento mais/Essa onda de violência/Só peço, autoridade,/Um pouco mais de competência”. (Rap da Felicidade, de MC Cidinho e MC Doca)
Não estão sozinhos, em seus protestos, os familiares e vizinhos do garoto Gabriel Silva da Conceição Júnior, de 10 anos, morto no domingo, 23, durante uma ação policial no bairro de Portão, em Lauro de Freitas, na Grande Salvador. Nem os parentes e amigos de outros inocentes vitimados em operações semelhantes desde que o governo da Bahia escolheu a intensificação da violência policial como sua política de segurança pública.
O protesto agora é internacional. Até mesmo a Organização das Nações Unidas (ONU) está pedindo providências para conter essas incursões altamente militarizadas realizadas por agentes da lei, que têm deixado um vergonhoso saldo de mortes, inclusive de crianças, nos bairros periféricos.
O Comitê da ONU para o Combate à Tortura instou o governo brasileiro a tomar medidas urgentes para rever a forma pela qual a segurança pública é realizada no país e pediu sobretudo que “desmilitarize” os agentes de aplicação da lei.
A entidade expressou “séria preocupação” com as graves violações de direitos humanos, particularmente execuções extrajudiciais, tortura e violência sexual, principalmente contra afro-brasileiros, durante as incursões policiais altamente militarizadas.
Execuções extrajudiciais, nesse caso, meu caro leitor, é um nome pomposo para a velha e condenável política de fazer justiça com as próprias mãos, uma prática na qual a polícia baiana é campeã em números absolutos.
O documento do comitê não cita a Bahia, mas a posição baiana no ranking nacional da letalidade policial não deixa dúvida quanto à colocação da carapuça.
Segundo o 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na semana passada, em 2022 o Estado ocupou a primeira posição do ranking com o registro de 1.464 pessoas mortas por policiais (80 por policiais civis e 1.384 por policiais militares). O Rio de Janeiro ficou em segundo lugar, com 1.330. O Ceará, assim como a Bahia governado pelo PT, somou 150 mortes em ações policiais no mesmo ano. E São Paulo, cuja população é três vezes a da Bahia, teve 429 mortes.
Os números são claros: a escalada da letalidade policial na Bahia começou em 2015, com a posse de Rui Costa. Em 2014, último ano do governo de Jaques Wagner, foram registradas 278 mortes em confrontos policiais. No último ano do segundo mandato de Rui, esse número chegou a 1.464 – um expressivo salto de 526% em apenas oito anos.
Menos de dois meses após Rui tomar posse, ocorreu a “Chacina do Cabula”, como ficou conhecida uma operação da PM que resultou na morte a tiros de 12 jovens negros. Para livrar a cara dos PMs, Rui disse que o policial age com um artilheiro na frente do gol, que tem de decidir, em alguns segundos, como é que ele vai botar a bola dentro.
Com isso, o governador praticamente deu uma autorização explícita para que os agentes policiais atirem para matar. Desde então, a polícia baiana segue se comportando como um artilheiro em frente ao gol, que chuta primeiro para só depois saber se estava impedido ou não.
O governo atual, contudo, não se avexa com essa escalada da violência policial, que tem como alvo preferencial os jovens negros, majoritariamente pobres e residentes das periferias. Pelo contrário, atira ao lixo as veleidades humanitaristas e mantém aberto o caminho para a exceção e a barbárie ao justificar a alta letalidade da polícia com o argumento de que nesse bloco não há inocentes, são todos homicidas, traficantes, estupradores e assaltantes. Se assim o é, significa que a polícia não se limita a prender: se ocupa, ela mesma, de também condenar e justiçar o condenado.
Para espanto de alguns e vergonha de outros tantos, o governo petista da Bahia oficializou e tomou como sua a política bolsonarista de segurança, segundo a qual bandido bom é bandido morto. Um modelo que já se mostrou incapaz de reduzir a violência. Tanto que, mesmo com a polícia mais letal do país, a Bahia teve 11 entre as 20 cidades com as maiores taxas de mortes violentas intencionais do Brasil em 2022.
Tudo com a complacência, quando não o assentimento, de dirigentes, militantes e simpatizantes de partidos de esquerda que dão sustentação ao governo, supostamente comprometidos com os Direitos Humanos, mas que se calam em nome das conveniências políticas – ressalvando-se, é claro, algumas poucas vozes isoladas.
José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador