Serrinha era uma cidade bem acanhada em meados dos anos 1970. Imagino que boa parte da população residia na zona rural. Consultando os dados do Censo de 1980, constata-se que havia, por lá, 57,4 mil moradores distribuídos por 10,4 mil domicílios. A cidade era quieta e silenciosa e ruas e praças desertas emanavam uma paz difícil de descrever.
No fim da Rua Barão de Cotegipe ficava uma estação ferroviária e, quando os trens passavam, havia alguma animação. Duas cores predominavam nesses momentos: o cinza escuro da fumaça malcheirosa e um vermelho burocrático, melancólico, que coloria tristemente os lombos dos trens. Em volta da estação eucaliptos esguios que, na meninice, eu julgava imensos, descomunais.
Pacata, a cidade raramente se agitava. Numa data incerta, uma pequena fábrica se incendiou. Lembro dos adultos comentando e – notícia tremenda! – um caminhão do Corpo de Bombeiros deslocou-se desde Salvador para intervir. Não adiantou. Tudo se perdeu com o fogo, comentavam os mais velhos.
Os tempos eram tão outros que até Carnaval havia. Pois foi lá, bem miúdo ainda, que mantive o primeiro contato com a folia momesca. Salvo engano, a festa acontecia sob os oitizeiros da Praça Luís Nogueira. Presumo que eram oitizeiros, árvores frondosas que, sertão afora, produzem excelentes sombras pelas praças. Mas é só um palpite.
Pois bem: as primeiras sensações legadas pelo Carnaval foram péssimas. Havia muita gente, agitada, cantando, dançando, afugentando a quietude da cidade acanhada. O barulho das músicas e dos gritos era assustador, feria os ouvidos de quem vivia os longos silêncios da roça.
Até aí tudo bem: pior foi quando uma figura fantasiada e mascarada – não sei se homem ou mulher – acenou para mim lá do alto do trio. Imagino que era um trio, desses menores, comuns naqueles tempos. Senti um medo terrível da criatura mascarada, do veículo barulhento se locomovendo. O medo me paralisou. Fiquei de baixo observando os acenos que não cessavam.
– Está acenando para você! – Advertiu uma das minhas irmãs, ralhando-me pela indelicadeza.
O temor da figura mascarada, o barulho que feria os ouvidos, a multidão gargalhando e dançando, tudo aquilo despertou uma ojeriza à folia momesca que atravessou a infância. Mudamos de cidade e, anos depois, o Carnaval de Serrinha acabou.
Todo ano, quando começa essa agitação carnavalesca que mobiliza a Bahia, recordo o episódio pitoresco, engraçado até.
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