O espanto e a leveza vêm marcando a poesia de Antonio Brasileiro. Espanto, filosófico e existencial, diante do absurdo e dos incessantes desafios da vida. Leveza do poeta maduro que deixou um pouco de lado as crispações do pensamento para se debruçar mais sobre as pequenas coisas do mundo, as mais inefáveis, como os pássaros, as borboletas no jardim, as plantas, as nuvens, os bens quase invisíveis e preciosos.
Uma das poucas vantagens de envelhecer é que a gente começa a prestar atenção para aquilo que, antes, não tinha a menor importância. É um bom passo, se não para a sabedoria, ao menos para sossegar o espírito e apascentar a alma já afastada dos embates tolos e das paixões inúteis da juventude.
Assim acontece também com o olhar do poeta, que vê sabedoria em velhos candelabros, que “estão ali para iluminar; para não nos deixar no escuro da alma”.
Essa tendência de suspender (vejam bem: deixar em suspenso e não abandonar) as perquirições filosóficas, a as indagações ontológicas, para admirar a simplicidade da natureza, como num poema pastoral, vem se manifestando na poesia do baiano de Ruy Barbosa, radicado em Feira de Santana,de modo mais acentuado desde Lisboa 1935, livro de 2016. Mas agora parece se condensar neste novo livro, Carta, uma missiva lírica endereçada a todas aqueles que não dispensam a boa poesia.
É a carta, generosa, de um velho poeta (e que poeta envelhece mesmo?), para leitores de todas as idades. Experimentado em verso e em prosa, Antonio Brasileiro sabe que:
Com o tempo,
vamos ficando sábios
plenos:
Com o tempo vamos ficando um pouco sossegados.
Um pouco inqueitamente
sossegados. (VAGAR).
No belo poema que abre o livro, o poeta desce de seu mundinho fechado para abraçar todos os homens dignos de apreço:
Belo é cantar duas vezes
a mesma canção.
E receber o amigo
à nossa mesa.
O amigo nos contará
sua tristeza
e a estreitarmos em nosso
coração. (POEMA).
O poeta almeja a paz assim como o asceta à santidade e o monge à transcendência. Daí a súplica serena:
Concede-me, Zeus, a paz,
assim como concedeste a calma
ao mar, ao vento o pouso, o sono
à nossa dor. (PEQUENA ELEGIA ANTIGA).
Alguém disse (não me lembro quem) que literatura é a combinação da observação com um temperamento. Sim, porque podemos estar olhando para as mesmas coisas e enxergármos objetos diferentes. Desse modo, o poeta, “meditando sobre a vida e sobre as coisas pequenas, vê o mundo como “gotas oscilando/sobre a pétala de uma flor,nós chamando, nós chamando.” (DAS PEQUENAS COISAS).
São coisas, aparentemente miúdas, como uma estrela perdida entre as estrelas, mas necessárias para apaziguar o artista, uma vez que “A pequena alma/só quer ser feliz.” (A PEQUENA ALMA).
Mas, como mesmo diante das pequenas coisas, esquecer de que a vida corre por um rio caudaloso?
A alma de um homem é toda
pedregosos leitos. (CANTO).
Para que possa cantar, Antonio Brasileiro sabe também que:
“Belo é silenciar.
Ouvir.
Fazendo isso, poderá “Ouvir a brisa que passa/E os bem-te-vis.
Na visão campestre do poeta, os passarinhos são divindades aladas:
Os pássaros são deusinhos
que não cresceram ainda.
Nem vão crescer.
Para caberem em qualquer caderno
de poesia. (PÁSSAROS).
Lembra a delicadeza de Mario Quintana.
Nestes dois grandiloquentes versos, o poeta parece dizer que não se deve se deixar contaminar pelos sargaços das praias rasas da vida:
O mar recebe todas as águas
e é sempre o mesmo. (ESTA ALMA INQUIETA).
O homem feliz, gosta de retornar ao lar, mesmo que, para isso, tenha que empreender uma odisseia. Já o infeliz, dá voltas, se desvia pelos bares, deriva à toa nas ruas antes de voltar para casa, como se ciente dos dissabores que o esperam.
Encerro com o aconchegante poema CHEGAR:
É bom chegar em casa.
É bom abrir a porta.
Chegar.
As pessoas felizes chegam
em casa.
É! Vamos para casa.
Elieser Cesar é jornalista e poeta.
(Foto: Maria Cecilia)