“Oh, que estrada mais comprida/Oh, que légua tão tirana/Ai, se eu tivesse asa/Inda hoje eu via Ana” (Légua Tirana, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira)
Pelo menos um milhão de pessoas deverão deixar Salvador para passar o São João no interior, se a gente confiar nas estimativas feitas pela Agerba e pelas concessionárias do ferryboat, da rodovia BR-324 e das sete rodovias que compõem o sistema BA-093.
A Agerba diz que mais de 150 mil passageiros deixarão a capital em ônibus que partem da estação rodoviária. Já a Internacional Travessias Salvador, empresa que administra o sistema ferryboat, informa que 245 mil passageiros vão padecer nos cinco barcos que colocará em tráfego no período para a travessia até a Ilha de Itaparica.
Detentora da concessão da movimentada BR-324, no trecho entre Salvador e Feira de Santana, a Via Bahia estima que 370 mil veículos deverão passar por seus dois pedágios; e a Bahia Norte, que administra as sete rodovias do Sistema BA-093, espera receber no mesmo período outros 300 mil veículos.
É muita gente! E a jornada é grande! Mas o sentimento de volta às raízes, representado pela simplicidade dos festejos de São João nas pequenas cidades interioranas, e sobretudo a esperança de escapar, ao menos por alguns dias, do clima de apreensão e medo que cerca os moradores de Salvador em face da insegurança e da violência crescentes devem compensar o sacrifício.
Só que a aventura não é despojada de perigos. Muito pelo contrário, pois, como atestam todos os estudos isentos sobre a segurança pública na Bahia, a criminalidade tem avançado também interior adentro. Das 10 cidades mais violentas do Brasil, seis estão no interior da Bahia, segundo o Atlas da Violência 2024, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado esta semana.
Mas voltemos à estrada. Na verdade, o próprio ato de colocar o carro na pista já é uma situação de perigo. Principalmente se a estrada for a BR-324. A rodovia, que é administrada pela Via Bahia, é uma verdadeira armadilha para os motoristas.
Ao longo dos 108 quilômetros que liga a capital a Feira, as duas pistas apresentam buracos no acostamento e na rodovia, remendos mal feitos na pista e pavimentação de má qualidade. Em alguns trechos, o mato invade o acostamento e falta até a mureta de proteção no canteiro central.
No final do ano passado, preocupados com a gravidade da situação, deputados estaduais da Bahia planejaram fazer uma manifestação pacífica no pedágio da rodovia em Simões Filho para, conforme anunciaram, alertar os condutores para a má prestação de serviço da empresa e a ausência de investimentos previstos no contrato por parte da concessionária.
O protesto recebeu a adesão de 28 parlamentares, mas não se concretizou: a Via Bahia conseguiu uma liminar na Justiça limitando a manifestação a 100 metros da pista. Os deputados recuaram e em discursos e entrevistas, reclamaram que a decisão da Justiça cerceava a atividade parlamentar e o direito de livre reunião. E assim, as pistas seguem em más condições, pondo em risco a vida dos usuários, apesar da crescente arrecadação nos pedágios.
Mas há uma luz no fim do túnel para os usuários da BR-324: na sexta-feira passada, 14, a secretária estadual de Desenvolvimento Urbano, Jusmari Oliveira, anunciou que os estudos de viabilidade para a implantação de uma ferrovia ligando Salvador a Feira serão concluídos em um período de seis a oito meses.
É a retomada de um projeto anunciado há um ano pelo governador Jerônimo Rodrigues. No dia 14 de junho do ano passado, o governo informou que na semana seguinte técnicos do Governo do Estado e da CCR Metrô Bahia, empresa que administra e opera o metrô de Salvador, iniciariam os estudos de viabilidade para a implantação de um sistema de transporte de massa ligando as duas cidades.
Aparentemente, o mesmo projeto anunciado dez anos antes, em maio de 2013, por Rui Costa, então secretário da Casa Civil do Governo da Bahia, informando inclusive que seria um trem de passageiros veloz, que circularia com a velocidade de 140 km/h, e que o traçado da linha já estava sendo feito. Mas ficou nisso.
Agora a ideia foi desarquivada, no embalo da retomada do controvertido projeto do VLT da capital, que vai ganhar nova versão, ampliada, para ligar a estação da Calçada à praia de Piatã, passando pelo Subúrbio Ferroviário e Águas Claras.
Mas a oposição – ô raça! – diz que o projeto está sendo requentado tão somente para turbinar a campanha do deputado Zé Neto (PT), que tentará pela sexta vez a prefeitura feirense – perdeu nas outras cinco, mas isso é apenas um detalhe.
*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político, mídia, comportamento eleitoral e opinião pública pela Universidade Católica do Salvador.