Em entrevista à TV Subaé, a Prof. Úrsula Anecleto, professora titular do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), comentou a recente decisão do Ministério da Eduação de suspender a criação de novos cursos de graduação na modalidade EaD em todo o Brasil. Confira, abaixo, a transcrição da entrevista.
– COMO A SENHORA AVALIA ESSE DECISÃO?
Por meio da Portaria 528/2024, publicado no Diário oficial da União no dia 07 de junho de 2024, realmente o Ministério da Educação suspendeu temporariamente, até 10 de março de 2025, a criação de novos cursos de graduação na modalidade EaD, assim como a abertura de novas vagas e novos polos aos cursos que já estão em desenvolvimento, especialmente das Instituições de Ensino Superior privadas (IES).
Essa medida pode ser entendida como um certo “freio de arrumação” enquanto ocorre a revisão do marco regulatório da EaD e tem como um dos objetivos garantir não apenas a sustentabilidade dos cursos que já existem, mas também a manutenção da qualidade dos cursos ofertados por essa modalidade.
Para a população conhecer um pouco mais sobre o crescimento da EaD no Brasil, nos últimos 10 anos, houve um aumento de 700% no número de cursos em EaD, de acordo com o Censo do próprio MEC. Hoje, de acordo com as, estatística do próprio MEC, são mais de 4 milhões de estudantes que estão matriculados nos cursos de graduação em todo o país. Então, notamos que é um crescimento exponencial e se torna necessário revisar como esses cursos estão sendo ofertados aos estudantes.
Por exemplo: cursos de graduação 100% on-line atende ao perfil dos estudantes na graduação que, nem sempre, possui autonomia para gerir seus estudos?
Cursos sem a infraestrutura pessoal e tecnológica, a exemplo da equipe multidisciplinar, do professor, do tutor, do corpo técnico-administrado e pedagógico, do polo presencial e do coordenador desse polo, do ambiente virtual de aprendizagem, dentre outros, contribui para a formação crítica, autônoma e emancipada do estudante? São questões importantes que fazem parte do planejamento da EaD.
No entanto, acreditamos que o processo de revisão do marco regulatório da EaD deve envolver uma equipe multidirecional, com gestores governamentais e institucionais, educadores, representantes acadêmicos (docentes, professores, coordenadores etc.), visando a escuta daqueles que vivenciam a modalidade em seu cotidiano e inteireza.
– EM GERAL, COMO OS CURSOS DE GRADUAÇÃO A DISTÂNCIA SE CONSOLIDARAM NA EDUCAÇÃO SUPERIOR DO PAÍS?
Na verdade, percebemos que a grande demanda para a EaD está no perfil de estudantes adultos e profissionais que procuram melhorar sua qualificação e formação ou cursos de complementação.
Defendemos a EaD, pois é uma modalidade que atende a um contingente de pessoas que necessita de certa flexibilidade de horário de estudo, além de essa modalidade alcançar espaços onde as IES presenciais não poderiam estar, contribuindo para a democratização de acesso ao Ensino Superior.
Se voltarmos um pouco no tempo, a EaD já existe em nosso país há muito tempo, antes por outras tecnologias da informação e comunicação, a exemplo do rádio, da carta, da televisão.
O destaque para a EaD, no Brasil, como modalidade de ensino ganha mais corpo na década de 90, com os projetos Pedagógicos Nacionais, a Educação a Distância ganha mais destaque com Projetos e passa a ser reconhecida como uma modalidade de ensino.
No entanto, a EaD alcançou uma maior expansão, por certo, com a criação da Universidade Aberta do Brasil, pelo MEC, em 2005. Hoje, mais de 74 instituições participam da UAB, inclusive a UEFS, com a oferta de mais de 420 cursos, apenas de graduação, além dos cursos de Especialização e dos tecnológicos, e do recém-lançado Programa Mais Ciência na Escola para Expansão de Tecnologias Digitais e Experimentação Científica nas escolas da rede pública
Então, a expansão da graduação se deve a esse movimento de ampliação de estrutura para a modalidade que, é claro, sempre precisa de revisões, sem contar também da ampliação no número de pessoas que agora, com maior flexibilidade de horário ou que passaram a ter a IES em sua cidade/região, estão realizando o sonho de entrar na Universidade.
– COM ESSA DECISÃO DO MEC, QUAIS DEVEM SER AS PRINCIPAIS MUDANÇAS NO SETOR?
Apontaria duas principais mudanças nos cursos, que podem gerar implicações para a EaD:
Como uma das principais mudanças, creio que será a questão da carga horária a ser cumprida com atividades no polo presencial, com uma proposta de 50% para cada tempo.
A proposta de realização do estágio curricular obrigatório totalmente presencial, sendo que, ainda, é possível ter uma carga horária EaD no estágio, na atualidade, para algumas instituições.
– PROFESSORA, COMO ESSA DECISÃO PODE IMPACTAR O FUNCIONAMENTO DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO?
É possível que o número de estudantes na EaD seja reduzido, principalmente em relação às licenciaturas e à formação pedagógica, que abarca a maior fatia do setor. Isso poderá provocar uma redução no número de professores formados no Brasil nos próximos anos.
– UM DOS OBJETIVOS DA DECISÃO É A GARANTIA DA QUALIDADE. COMO PODEMOS CLASSIFICAR ESSE CRITÉRIO EM CURSOS A DISTÂNCIA?
Falar de qualidade é sempre muito complexo, pois se torna um termo com muitas interpretações. No entanto, creio que a qualidade na Educação, tanto na modalidade presencial quanto na EaD, geralmente é viabilizada pela formação autônoma e emancipada do egresso em relação à sua atuação profissional.
Mas de forma mais objetiva, podemos pensar a EaD como uma modalidade com qualidade, quando temos professores e tutores com formação específica para atuar na modalidade e compreender as culturas digitais; os cursos possuem projeto pedagógico específico para a modalidade (dialogando com a estrutura da modalidade, como já apresentei, de forma resumida); os materiais didáticos e artefatos tecnológicos utilizados devem ser adequados para a educação digital; a metodologia de ensino parte da perspectiva ativa; os estudantes devem ter acesso a ambiente virtual de aprendizagem e a suporte técnico, tutoria e orientação acadêmica. São alguns indícios de que o curso apresenta qualidade em sua realização.