“A vida é um caminho sem volta”, dizem muitos, para dar uma ideia de como encaram a existência. É como dizer “o que passou é passado”. Assim é irrevogável o progresso, e muito do “modus vivendi” de ontem já não se coaduna com o viver de hoje. No comércio, os grandes supermercados tomam o lugar dos armazéns e das feiras livres pelas infraestruturas montadas, com áreas internas enormes, possibilitando a circulação do público consumidor com comodidade e segurança, desfrutando de uma temperatura amena e ideal, graças ao sistema de ar-condicionado.
É inegável o conforto propiciado pelos grandes supermercados, o que não lhes tira o aspecto frio, se comparados com o ambiente das feiras livres, feitas pelo povo e para o povo, o que lembra até um jargão político, mas nada tem a ver. Na feira da Estação Nova, aos domingos, o movimento febril começa cedo com a arrumação das mercadorias, as mais variadas possíveis: frutas, verduras, doces, requeijão, farinha de mandioca, beiju, tapioca, roupas, calçados, flores e tantas outras.
Há setores delimitados para diversos produtos, incluindo o de carnes, com enorme concorrência pela ótima estrutura oferecida, com higiene e qualidade dos produtos. Com um crescimento invulgar, está a chamada “feira do rolo”, cuja dimensão é tão impressionante quanto o que ali pode ser encontrado: rádios, discos, chaves de fenda, parafusos, fios, sapatos, camisas de time de futebol, peças para veículos, relógios, facas, enxadas, bicicletas, peças de sanitário, sofás e tantos outros itens que seria impossível citá-los, alguns até em desuso ou desconhecidos.
Em meio a tudo isso, o vai e vem de centenas de pessoas propicia uma temperatura própria, só encontrada nos eventos populares. O diálogo entre o vendedor e o freguês às vezes é interessante, com doses de humor, notadamente quando as partes são conhecidas. A pechincha continua existindo como nos tempos antigos. Há aqueles que gostam de experimentar a farinha, o requeijão e outros produtos, sem que haja oposição do vendedor, que, se questionado por alguém, dirá apenas: “faz parte”.
E assim, semanalmente, repete-se esse cenário que foge da razão meramente comercial para exercer quase um papel social, pois é quando muitas pessoas se encontram ou reencontram, como em um clube social, uma associação religiosa ou um campo de futebol. A oportunidade de conversar, sem os “travamentos” do local de trabalho ou a questão política, também confere às feiras livres esse gabarito de querência, de cordialidade, tão necessário ao ser humano, cada vez mais tolhido de ser o que é.
Comerciante experiente, Léo Carneiro está semanalmente na feira da Estação Nova e não é apenas atraído pelos preços geralmente mais em conta. “Na verdade, tenho base dos preços e sei se são interessantes ou não, e geralmente são, mas aqui encontro pessoas amigas que fico sem ver no dia a dia. Para mim, não tem nada igual, gosto de feira livre”, garante. Dona Zélia Ferreira, que mora no bairro Capuchinhos, diz que a feira livre é como um vício. “Desde menina eu acompanhava minha mãe na feira da Getúlio Vargas. Isso aqui é uma festa. Claro que vou ao supermercado, mas aqui eu converso, debato preços, dou risada; no supermercado é pegar na prateleira e pagar no caixa”, diz ela, sorrindo.
“A feira livre, como um espaço privilegiado de socialização e da identidade regional e cultural, revela e aproxima diversos tipos humanos, é responsável pelo desenvolvimento da economia local e do sustento de milhares de agricultores familiares e pela aproximação humanizada entre o produtor e o consumidor. Nas milhares de feiras livres espalhadas pelo Brasil e pelo mundo, as novas gerações podem ter contato com a natureza e o que ela nos oferece”, observa o mestre em História Adaury Marques Porto