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A notícia da vez é o assassinato de inocentes por facções criminosas. Gestos com os dedos – dois ou três dedos estendidos – são suficientes para uma condenação à morte. Cortes de cabelo, tintura no cabelo, até mesmo a cor de uma roupa também são suficientes para levar alguém ao tribunal do crime. Costumeiramente, com a condenação à pena máxima, a morte. O tema virou febre, com direito à habitual histeria nas mídias sociais.
Quem vive a vida verdadeira – a das ruas, não a do mundo virtual – não se surpreende tanto. As facções criminosas, com suas marcas e sua opressão, estão disseminadas pelo País há muito tempo. Basta perguntar a quem vive em territórios controlados pelo crime. Aliás, não precisa nem isso. Basta prestar a atenção às pichações pelas cidades.
Como se sabe, o controle territorial começou no Rio de Janeiro com o Comando Vermelho. Mas, na última década, a organização se disseminou pelo Brasil inteiro, não surpreendendo suas iniciais pichadas com tinta vermelha em todo lugar. Ousados, os criminosos registram sua marca não apenas em comunidades pobres, mas também em praças e avenidas de grande movimentação.
Ao longo dos anos facções surgiram, tornaram-se virais – tomo emprestada a expressão dos ambientes digitais – e, depois, fundiram-se, extinguiram-se ou se tornaram apêndices do Comando Vermelho ou do Primeiro Comando da Capital, o PCC paulista. Tudo vai sendo registrado em postes, muros, fachadas de imóveis.
Com o tempo, esses registros tornaram-se até enfadonhos. Quem passa vê “CV” ou “PCC” e segue adiante, incomodado, mas enfastiado pela regularidade. Há, porém, algumas surpresas dignas de nota. É o caso das fotografias que ilustram este texto.
A primeira é longínqua, de antes da pandemia. No fervilhante centro histórico de São Luís do Maranhão a disputa entre as facções está registrada nas fachadas dos casarões. Uma delas – o Bonde dos 40 – deixou um pitoresco aviso numa escadaria da capital maranhense: “Proibido rouba (sic) na quebrada”. Na medida, não há generosidade, só cálculo mercantil: furtos e roubos miúdos atraem a polícia, atribulam o turismo e afetam o rentável tráfico de drogas, atividade-fim da organização.
A outra fotografia é mais lúdica, recente. Na elitizada orla de Aracaju, capital sergipana, um bar e restaurante fechou. Bem na sofisticada Avenida Governador Paulo Barreto de Menezes. Devia estar fechado há tempos. A calçada – ampla e coberta – era muito confortável para abrigar a gente deserdada, que vive pelas ruas. Vestígios – como trapos, papelão e restos de uma fogueira – indicavam a presença de hóspedes noturnos.
Imagino que por lá pousou, numa noite incerta, uma Carol, que registrou na parede sua declaração de amor: “Alex te amo Zé Pequeno soldades (sic) to te esperando… te amo”. Banal, à primeira vista. O pitoresco vinha no fim: “Saia da cadeia te amo”.
Singulares, esses registros fogem um pouco das clássicas assinaturas das facções, com suas iniciais e números. Mas ressaltam a desassombrada presença do crime pelas ruas, contrariando os discursos de praxe das autoridades.
Há muita gente presa no Brasil, é bom não esquecer. Farta matéria-prima para o recrutamento do crime organizado. Um dia, essa gente volta às ruas, realimentando os fantasmas da violência e da impunidade. Paredes, muros e postes pichados são sintomas dessa espiral viciosa.
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