
De longe o brasileiro acompanha o festival de horrores após o retorno da extrema-direita ao poder nos Estados Unidos. Entre as primeiras vítimas estavam os imigrantes, escolhidos como encarnação do Mal por Donald Trump. O número de vítimas, porém, é bem maior. Entre elas figura – quem diria! – o discurso liberal que embalou muita gente mundo afora ao longo dos últimos anos.
Aqui no Brasil, particularmente, o receituário arrebatou adeptos entusiasmados, fanáticos, iracundos até. Em paralelo ao crescimento dos evangélicos – com suas Bíblias cristãs – cresceu o número de liberais empunhando A Riqueza das Nações, de Adam Smith, como se este fosse uma espécie de Bíblia econômica. Curiosamente, mesmo correndo em raias diferentes, seus ideais convergiam.
No púlpitos, não faltam pastores exaltando a prosperidade material como símbolo de fé, de devoção, de efetiva crença cristã. Nos conclaves empresariais, palestrantes extasiam-se com as virtudes do liberalismo, com a liberdade de empreender, com a sólida prosperidade decorrente da ausência de amarras regulatórias, com o esforço individual como única métrica para a abundância.
Todos parecem perseguir a panaceia da prosperidade ampla, geral e irrestrita. Para uns, chega-se lá com fé, com devoção; para outros, com tino empreendedor, com o instinto do homo economicus ativado. No final – conclui-se – buscam ambas as vertentes o mesmo objetivo. Lá, na reta de chegada, até os vocabulários se confundem, adquirindo nítido sotaque corporativo.
O mundo parecia caminhar para esse “Fim da História”, como diria o título de um famoso livro antigo. Mas aí apareceu Donald Trump, como, lá atrás, no começo do século, apareceram os terroristas islâmicos e o 11 de Setembro. Conforme mencionado, entre os inúmeros cadáveres simbólicos do momento está o do Liberalismo.
Sem constrangimento, Donald Trump maneja sua política tarifária e repele aquele multilateralismo tão em voga em meados dos anos 1990. Os adeptos deste são rotulados com uma expressão que, no passado, talvez até orgulhasse alguns: “globalistas”. Hoje, o termo virou xingamento na boca da extrema-direita.
O mundo anda estranho, de fato. Tanto que os “liberais” e os “bolsonaristas” brasileiros se calaram, encalistrados. Quem é que sai aí defendendo livre mercado, concorrência, tratados comerciais, eficiência econômica? Só as viúvas da Era Fernando Henrique Cardoso, cada vez mais idosas, coitadas. Porque a onda agora é o patriotismo protecionista, alardeado por Donald Trump.
Antigamente o mundo era mais simples e essas conversões ideológicas eram mais lentas e envergonhadas. Hoje, não. O liberal de 2018 rapidamente converteu-se no “patriota” de 2022, que, hoje, exulta com o protecionismo de Trump, enquanto espera aparecer aí um manual ideológico que faça algum nexo.
Não que essa coisa de nexo não seja algo dispensável para essa turma, é bom ressaltar…
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