
Meu amigo Jamelão, um vira-lata caramelo que vivia livre e solto pela rua esburacada, brincando de bola e de garrafão com a criançada, que de vez em quando chegava no portão de minha casa só pra mijar na parede e ter notícia de minha mãe, e depois voltava saltitando e balançando o rabo pra junto da meninada, teve a infelicidade de topar com um bacana todo malhado e tatuado, usando roupa de academia e óculos espelhado, o tempo todo grudado num celular, e que morava ali perto num condomínio sofisticado, e que vinha desfilando orgulhosamente com seu pitbull, que se soltou ou foi solto pelo desgraçado, e a meninada toda correu pra tudo quanto foi lado, e meu amigo Jamelão também correu desatinado, mas ainda tentou dar uma de valente no portão de minha casa, arreganhando os dentes para seu perseguidor, acho eu que era pra proteger a minha mãe, e foi uma coisa tão rápida que só deu tempo de minha velha gritar “corre pra dentro de casa, meu amor!”, e meu amigo Jamelão morreu ali mesmo no portão de casa, sem dar sequer um ganido, o coitado, estrangulado pelo pitbull do bacana de corpo malhado e tatuado, com roupa de academia e de óculos espelhado, que filmou tudo com o celular.
Marcondes Araújo Campos é jornalista, escritor, autor de “Um repórter do futuro no bando de Lampião” e outros romances e contos. Mora em Feira de Santana.