Vizinho a minha casa, na Rua Batistão, no Parque Violeta, existe um campo de futebol. Hoje é pequeno, a avançada de casas tirou-lhe uma parte do terreno. Não é novo, quando cheguei na Feira, em 1983, foi por lá que joguei os meus primeiros babas. Naquela época já tinha alguma idade, o chão já fora batido por muitos pés.
O nome é Gravatá, acho que é uma alusão irônica ao primeiro motel da cidade, acho. Naquele território de areia e terra desfilaram algumas das imortais chuteiras desta cidade, Melé, Fabio Baiano, Nengo, Jorginho. É história.
Por hoje? Meninos andam de bicicletas, ao fim da tarde outros garotos jogam bola, aliás, vários grupos de jovens ocupam o espaço, enquanto o dia desaba para os lados da Serra da Conceição. Nos sábados e domingos alguns aprendem dirigir, rola o tradicional baba domingueiro. Sociabilidades são refeitas, gentes se encontram e o Gravatá continua vivo.
Gosto de ficar sentado no Bar da Cris, que fica em frente, para apreciar o pôr-do-sol, vermelho, como se quisesse incendiar uma parte do céu sertanejo, o velho companheiro segue sua viagem cotidiana, enquanto grupos correm atrás da bola.
Soube agora, pelos televizinhos, que o senhor vai inaugurar uma unidade de saúde no bairro. Obra importante! Precisamos desafogar a primeira.
Mas, como sempre, não houve consulta aos moradores da região e a construção vai ser no velho campo, teremos de dar adeus ao Gravatá.
Os nossos garotos terão de inventar outro lugar para brincar, andarão mais tempo, serão expostos a outros perigos. O sonho de ter uma praça de esportes organizada vai virar fumaça. Meninos, bicicletas, bolas? Não mais. As alegrias de babas serão soterradas pela nova obra.
Certamente o senhor me responderia: “é a necessidade”.
O estranho é que temos muitos terrenos ainda vazios pelo bairro, a menos de vinte metros uma área, do mesmo tamanho, afronta com seus vazios, de construções e usos, o argumento que “não tem jeito”. Mais cem metros: outro terreno que, inclusive, não está murado. Atravessando a Avenida ACM? Muitos, inclusive nas proximidades da Avenida Fraga Maia.
Medo de enfrentar especuladores? Justo o senhor que foi tão valente com os trabalhadores rurais? Devo supor que não foi falta de espaços, foi vontade política, foi desprezo pela opinião dos que moram por ali.
Não tomarei mais o vosso tempo, despeço-me com uma sugestão: enquanto as máquinas não começam a obra, passe um fim-de-tarde pelo velho Gravatá. Observe os nossos meninos brincando, lembre quantas coisas podiam fazer naquele tempo, mas não, eles apenas brincam com suas bolas.
Guarde na retina os últimos suspiros do único centro de sociabilidade da região, acho que vai fazer bem quando for escolher o próximo lugar para fazer uma obra.
“Não se descobre um santo para vestir outro”.