O Fórum Permanente de Cultura emitiu uma ‘Carta Aberta’ sobre a Conferência Municipal de Cultura e eleição de novos membros do Conselho Municipal de Cultura e apontou a excessiva burocratização da eleição como um dos pontos negativos e preocupantes do processo que tem a Secretaria Municipal de Cultura como coordenadora oficial.
O texto é detalhado, tem explicações sobre o Sistema Nacional de Cultura no qual se inserem esses dois eventos, a conferência e a eleição, além de descrever os movimentos de diálogos realizados entre o Fórum e a Secretaria de Cultura.
Leia na íntegra:
CARTA ABERTA
Em maio passado, o município de Feira de Santana convocou uma Conferência de Cultura prevendo menos de 20 dias para mobilização / divulgação (conforme consta no regimento publicado no Diário Oficial de 16 de maio de 2017), sem que houvesse a participação do Conselho Municipal de Cultura nos processos de planejamento ou aprovação deste regimento.
Diante do curto prazo apresentado pelo poder público na oportunidade, houve um real comprometimento na publicização da referida Conferência, o que resultaria em uma participação reduzida da sociedade civil neste espaço.
Além disso, o método de convocação desta, nos levou a questionar a interlocução entre objetivos previstos pelo regimento e as demandas do cenário, uma vez que o regulamento não previa, por exemplo, a execução de metas e ações apontadas para este ano e previstas no Plano Municipal de Cultura.
Soma-se a isso o fato da comissão organizadora da Conferência ser unicamente composta por representações do poder público, conforme portaria publicada no Diário Oficial do Município de 13 de maio de 2017.
Outro fato a ser apontado é de que o regulamento publicado em maio, bem como o que foi re-publicado neste mês de julho, prevê uma exigência documental excessiva, igualando os pré-requisitos para cadastramento de participantes na Conferência, sejam candidatos para o Conselho Municipal ou eleitores, dificultando ainda mais o acesso da população a este espaço.
Tais fatos, portanto, somados aos diálogos que tentamos tecer com o poder público municipal, nos levam a entender que não houve, de fato, a utilização de métodos de promoção da democracia, devido ao fato do próprio mecanismo dificultar que cidadãos, de um modo geral, pudessem participar da Conferência.
Apesar dos mecanismos utilizados pela Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer serem legais, o modo como o Poder Executivo optou em proceder na adoção dos critérios para participação não pressupõe atenção a camadas da população menos assistidas ou excluídas do exercício de seus direitos culturais por sua condição social, etnia, gênero, faixa etária, domicílio, ocupação.
Diante dos fatos, é necessário observar os objetivos da Conferência, convocada para o próximo dia 22 de julho: eleição dos novos Conselheiros de Cultura para o biênio 2017 – 2019 e discussão sobre o Sistema Nacional de Cultura.
Com relação ao primeiro objetivo, de acordo com a própria cartilha do SISTEMA NACIONAL DE CULTURA, organizada pelo Ministério da Cultura em novembro de 2011:
“Há experiências de eleição de membros de conselhos em Conferências de Cultura, mas para tanto é fundamental que ela seja amplamente representativa da área cultural e de seus setores” (p.41, Guia de Orientações para Municípios).
Como citados anteriormente, pouca divulgação / mobilização e alto rigor documental, certamente afetarão a representatividade das cadeiras do Conselho Municipal de Cultura, limitando o acesso dos cidadãos a este espaço com direito de fala e voto.
De acordo com o Ministério da Cultura, e conforme previsto na lei do Sistema Nacional de Cultura, a execução dos elementos deste sistema (tais como a Conferência e a própria Eleição do Conselho) devem resultar de “um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais”.
Neste contexto e às vésperas da Conferência de Cultura do Município, nós do Fórum Permanente de Cultura externamos as seguintes preocupações:
1 – Com o fato de este ano provavelmente haver as conferências nacional e estadual e da prefeitura não ter aguardado a publicação dos regimentos das respectivas conferências objetivando o alinhamento do temário da Conferência municipal com a estadual e nacional e, sobretudo, a eleição de representações da sociedade civil como delegados (as) na conferência de Feira, para participação nas conferências estadual e nacional. Acreditamos que tal alinhamento é essencial para promover e estimular o amplo acesso e a participação social nestes espaços de ausculta do poder público com a sociedade civil.
Este alinhamento no entanto, sugerido pelo Sistema Nacional e pelo Sistema Estadual de Cultura da Bahia, não deverá acontecer caso a conferência seja realizada no próximo sábado, dia 22 de julho, antes mesmo da convocação da União e do Governo do Estado da Bahia. Porventura, isso deslegitima a lógica apresentada pelo próprio Sistema Nacional de Cultura e elimina a possibilidade de Feira de Santana enviar delegados (as) para a estadual e para a nacional.
2 – A composição pouco representativa do futuro Conselho de Cultura, devido a um posicionamento excessivamente burocrático do órgão gestor de cultura, cuja exigência documental pode vir a promover uma menor participação, tanto para quem queira se candidatar, tanto para quem queira participar.
Neste sentido, defendemos ainda que haja uma flexibilização da documentação exigida para o cadastramento de eleitores e, consequentemente, dos cidadãos que terão direito de fala e voto nesta Conferência, uma vez que os documentos exigidos para inscrição, bem como para se cadastrar como eleitor e candidato são exatamente os mesmos.
Nós, do Fórum Permanente de Cultura de Feira de Santana e a atual composição do Conselho Municipal de Cultura, tivemos dois encontros com o Secretário de Cultura para tratar da respectiva temática.
No primeiro deles, dia 5 de junho, tivemos como encaminhamento, o agendamento de uma reunião pública com o Conselho de Cultura para discutir o regimento da Conferência e receber as proposições do Conselho quanto à flexibilização dos documentos para inscrição, data e objetivos da conferência.
No segundo momento, dia 21 de junho, todos os pontos abordados na primeira reunião foram pautados pelo Conselho e, ao final, a prefeitura firmou o compromisso de avaliar todas as proposições e republicar com brevidade o regimento da conferência com as mudanças acatadas.
No entanto, logo em seguida, no dia 5 de junho de 2017, o regimento foi republicado com a alteração da data, conforme sugerido pelo Conselho, porém, sem nenhuma mudança significativa quanto aos critérios para cadastramento de eleitores e interessados em participar da conferência.
Como falamos, a cultura é o direito social básico de todo e qualquer cidadão, conforme exposto na Constituição brasileira. Porém, a exigência de documentos tais como currículo com comprovações originais no campo da cultura, por exemplo, ou ainda uma declaração de um órgão ou entidade de classe que ateste a atuação profissional dos cidadãos no campo da cultura, dificultam e também podem impedir que todo e qualquer cidadão tenha o direito de participar deste espaço de debate político com direito de voto, limitando assim a participação social.
Apesar dos inúmeros questionamentos feitos pelo Fórum à Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer – SECEL, representantes do órgão alegam que os critérios que estão sendo utilizados para cadastramento de participantes na Conferência, de eleitores e de candidatos para o Conselho Municipal de Cultura da cidade se respaldam em legislação nacional, apesar de não citarem qual.
Ressaltamos ainda que no dia 12 de julho de 2017, o Fórum Permanente de Cultura de Feira de Santana realizou a roda de conversa intitulada “Conselho de Cultura, conferências e participação social”, no Museu de Arte Contemporânea da cidade, com o intuito de mobilizar a sociedade para participação na Conferência municipal e também informá-la quanto a estruturação dos Sistemas Nacional, Estadual e Municipal de Cultura (especificamente o de Feira de Santana), situando as conferências e o conselho nestes organismos de gestão. Além disso, o Fórum tem concentrado esforços no diálogo com cidadãos, ativistas e agentes culturais de uma maneira geral, para estimular a participação ampla da população no encontro do dia 22 de julho.
Ainda assim, há três dias da data prevista para realização da Conferência, apesar da afirmação da prefeitura de que houve um amplo processo de mobilização para a mesma, apenas 28 pessoas realizaram suas inscrições, o que pode demonstrar uma fragilidade nesta mobilização que vem sendo feita por parte do poder público, visto que o regimento da 4º Conferência Municipal de Cultura de Feira de Santana foi publicado pela primeira vez em maio de 2017.
Tal quantitativo, alinhado a dificuldade que estamos enfrentando nesta mobilização, nos faz acreditar que, sem dúvida, as exigências documentais já apresentadas tem interferido diretamente nas inscrições para a 4º conferência.
Ressaltamos ainda que, conforme afirmação pública feita pelo Sr. Edson Borges, secretário de Cultura da cidade, houve uma personificação do convite para cadastramento de candidatos para a eleição do Conselho Municipal. Isso se deu, conforme as palavras do próprio titular da pasta, através do envio de carta convite da SECEL para pessoas específicas da cidade, e não para a classe artística e agentes culturais em geral, conforme necessidade de transparência e mobilização esperado em processos tais como este.
Gostaríamos de ressaltar ainda que o Fórum Permanente de Cultura solicitou um auxílio técnico para a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, de forma a darmos continuidade ao diálogo com o Poder Público local, pois compreendemos que o uso de instrumentos informativos e oficiais, a exemplo de uma nota técnica, podem facilitar o entendimento de como vem se dando o planejamento, a execução e o acompanhamento de espaços participativos como a conferência e de políticas públicas para a cultura.
Ressaltamos que o Fórum Permanente de Cultura é uma organização informal que reúne pessoas atuantes no segmento em Feira de Santana nas mais variadas linguagens e que o grupo é aberto, não possuindo estrutura diretiva verticalizada e foi criado em 2011 com a proposta de debater políticas públicas, de fomento e incentivo, e articular ações em prol do campo da cultura.
Também pontuamos que ao longo deste tempo, o Fórum vem promovendo na cidade debates de caráter formativo por meio de rodas de conversa, bem como mobilizações no segmento da cultura e neste momento não poderíamos nos posicionar de outra forma, senão cobrando que sejam respeitados os princípios que norteiam a efetiva participação popular em espaços de tamanha relevância.