O evento sábado passado que marcou os 210 anos de nascimento de Lucas da Feira solidificou a vocação do Mercado de Arte Popular (MAP) como importante espaço das mais legítimas manifestações populares e identitárias de Feira de Santana.
Excluído do arcabouço histórico e das referências culturais oficiais da cidade, Lucas da Feira foi praticamente resgatado como a mais importante (e famosa) figura da história local que o povo, na sua oralidade e memória afetiva, nunca esqueceu.
Diferente de outras tentativas, inclusive acadêmicas, o evento não se deteve em ‘julgar’ Lucas como herói ou bandido, mas colocá-lo no lugar de destaque na formação da sociedade feirense como símbolo de rebeldia à opressão de um sistema desumano e cruel como o escravagista, e isso de maneira alegre e festiva.
O povo da Feira de Santana de hoje é o ‘Povo de Lucas’ (termo espetacular surgido no decorrer do evento sábado), herdeiro da sua coragem e persistência no enfrentamento aos ‘podres poderes’ sempre dispostos a deslegitimar os pobres como gente.
Está na hora de Lucas entrar nas salas de aula também, voltar aos salões da própria elite que lhe abomina (como já foi tentado em outros tempos,por exemplo, com o arrojado ‘Balé de Lucas’ montado pela Earte…), tornar-se referência estética e conceitual para o entendimento (e correção) de muitos de nossos absurdos urbanos,materiais e espirituais.
A cidade não pode continuar se envergonhando de Lucas como se envergonha de ser feira,de ter camelôs nas suas ruas, de não ser uma Paris de calçadas livres para senhorinhas desfilarem de salto alto e sombrinhas petulantes. Uma vergonha está diretamente relacionada com a outra.
Num momento em que assistimos a um novo desmonte da maior feira livre da cidade, o Centro de Abastecimento, é gratificante ver o MAP se abrir a manifestações como a de sábado.
Não importa se lá não estiveram os presidentes das academias, dos ‘cdls’, os reitores e doutores do conhecimento erudito e formal , os ‘homens importantes’, herdeiros dos valores escravocratas. Não importa se esses pseudo civilizados torcem o nariz para iniciativas como esta.
Importa é saber que temos uma multidão cultural que não desiste de ser simples, importa é saber que o MAP está cumprindo seu papel de acolher as mais legítimas manifestações da verdadeira identidade da Região Metropolitana de Feira de Santana.
na foto: Bule-Bule,Jurivaldo Alves, Nivaldo Cruz e Rony Ramos.