
Se alguém perguntar qual o maior expoente do samba em Feira de Santana eu direi sem pestanejar: Maryzélia.
Aquela menina que conheci no dia de São Jorge em 2010 e conseguiu se transformar num fenômeno de público em sua própria cidade.
Desde então eu não pude ficar sem a nêga, como canta um gênio/conterrâneo. Todas as sextas-feiras, de maneira quase religiosa e deliciosamente profana, por muito tempo, seu samba pisava forte, certeiro e alegre pelas noites da Princesa do Sertão.
No Rio de Janeiro, em 2015, pisa a baiana refazendo os caminhos de Tia Ciata. Para quem não é cantor da acamada axé music o Sudeste é o caminho que o artista precisa percorrer pra fazer sucesso. Ela foi e faz.
Ainda posso ouvir minha avó aos berros me chamando pra ver Maryzélia cantando no Encontro com Fátima Bernardes, na Globo, ainda que numa tímida aparição.
A menina que nasceu na Casa de Saúde Santana sabe ter paciência.Perseverança. Positividade (expressão que ela adora).
A Bahia não lhe sai do pensamento e ela volta, esporadicamente, pra tocar no Carnaval do Pelourinho, na Micareta de Feira, nas feiras de livros, congressos, casamentos, aniversários, reisados. E retorna ao bar, da música na madrugada, onde começa sua carreira e cativa sua turma fiel de admiradores.Gente de toda idade e classe social, feirenses e gringos.
O samba é democrático, agregador. Todos têm direito ao centro da roda. Mas há de se prestar atenção numa coisa patente nessa festa. Os negros. O público negro predominante seguindo Maryzélia. Cabelos estilo afro, trançados, mulheres com longos vestidos de estampas e tecidos africanos. Mulheres lindas, decididas, empoderadas. Um samba de expressão pós-moderna. Um samba empoderado. Rapazes bastante desinibidos, em sua maioria, de corpo mole, também pretos, se atiram na dança dando um bônus a alegria da noite. A cantora abraça, se diverte, participa e aplaude esse evento. Tudo isso também acontece sob os olhares talentosos do músico Rodrigo Pirikito, que discretamente organiza o movimento e orienta o carnaval.
No novo show se destacam algumas mudanças interessantes no repertório pós-Rio.
Desde que o Samba é Samba de Caetano Veloso pra lembrar quem é pai do prazer e filho da dor. Purificar o Subaé, protesto sobre o progresso vazio que matou o rio que nasce em Feira e corta Santo Amaro. Benito di Paula em Retalhos de Cetim, pianista que compôs um dos sambas mais bonitos do Brasil. Opinião, de Zé Ketti, pra reforçar a certeza do que se acredita e a influência do morro carioca. Jovelina Pérola Negra em Água de Cachoeira numa referência a Oxum sempre presente no repertório de Maryzélia. Toda Menina Baiana, canção que Gil fez pra sua filha mais velha, de Iyemanjá, o santo que Deus deu. É Ouro Só, canção nostálgica sobre a Bahia e suas pessoas importantes, suas riquezas arquitetônicas, da emblemática banda Originais do Samba, que tinha como cantor o Trapalhão Mussum. Deixa eu dizer, o desabafo visceral de Ivan Lins, interpretada a plenos pulmões sempre me emociona, e seguro as lágrimas, em meio a turma que dança desenfreada. Pra Matar Preconceito, de Raul Dicáprio e Manu da Cuíca é o ponto alto do repertório. É o samba em protesto a hipersexualização feminina e que cita mulheres negras de coragem e que fizeram História. Assim como Maryzélia fará.
“Quem sabe fazer sorrir também sabe fazer chorar”. É essa a sensação que seu canto me provoca.
Maurício e Zélia, que lhe nomearam, pouco se importaram. Ela nasceu assim e vai ser sempre assim. O nome dela é Maryzélia, podem espalhar!