Dia 5 de maio de 1988 Feira de Santana amanhecia com a notícia do assassinato a tiros do seu maior organizador e líder de massas, George Américo.
Nos anos 80, George organizou 21 ocupações rururbanas, locais híbridos entre a cidade e os caminhos rurais.
É uma ironia trágica que hoje, nesses 30 anos do assassinato de George, assistimos a tragédia televisionada dos sem-teto do prédio ocupado no centro de São Paulo.
O crime contra George Américo nunca foi resolvido, executado a mando do poder, como foi Marielle, em outro paralelo com a conjuntura.
Criminalizado pelo jornalismo da princesa-comercial, George recebeu a alcunha de “rei das invasões” e sempre foi tratado como um bandido pela mídia local, ora acusado de vender lotes, ora de manter relações com o tráfico de drogas, a mesma fórmula de assassinar reputações repetida ainda hoje para matar lutadores do povo.
Quem apertou o gatilho contra George foi a grilagem de terras, a especulação imobiliária, com os nomes dos responsáveis sempre sendo sussurrados em voz baixa pelo medo ainda sentido por quem acompanhou a saga de George e sabe da crueldade dos poderosos dessa terra.
Retratado como um homem rebelde e solidário, de família pobre e sempre envolvido em causas sociais, começou sua militância no movimento estudantil e fez parte da Casa do Estudante ainda em seus tempos áureos, depois foi funcionário da prefeitura, o que facilitou seu acesso as informações sobre terrenos na cidade e foi exatamente por esse motivo demitido, fundou a Associação dos Sem Teto de Feira de Santana que mantinha uma dinâmica permanente de organização e mobilização de massas e já naquela época questionava o direito à cidade.
Perseguido pelo judiciário, George foi preso e levado para Salvador, sendo logo solto.
Mas foi em novembro de 1987, no local que hoje é o Conjunto Habitacional que carrega seu nome, o maior feito e o auge da trajetória política e militante de George Américo, cerca de 5 mil pessoas lideradas por ele, um exército de miseráveis e excluídos do “milagre brasileiro”, ocuparam o Campo de Aviação e antes do raiar do sol de um sábado tinham tomado uma grande faixa de terra de quase 800.000m², sendo até hoje a maior ocupação já feita em Feira de Santana, e talvez na Bahia.
Era um tempo de ascenso das lutas populares e de trabalhadores, os ânimos iam se acirrando e a cidade vivia uma tensão cada vez maior entre os grupos políticos que disputavam o poder.
O povo de Feira prontamente apoiou a luta dos sem-teto, e mesmo a polícia convocada para despejar a ocupação após uma ordem judicial se negou a reprimir os sem-teto.
Em dezembro do mesmo ano, George sofreu um atentado e declarou em uma rádio que “mesmo morto a luta dos miseráveis não iria parar”.
O guerreiro-menino já tinha se tornado um mito e herói do povo pobre feirense, circulava entre as organizações políticas de esquerda e democráticas, mas mantinha uma conduta politicamente independente.
Em 5 de maio de 1988, em um crime encomendado e nunca punido, dois tiros de escopeta no peito tiraram a vida de George, seu corpo foi encontrado no rio Jacuípe, em seu enterro uma multidão tomou o centro da cidade e carregou o corpo do “Santo George”, como algumas pessoas ainda se referem ao líder sem-teto, até o cemitério e seu túmulo é ainda hoje um local de demonstração de gratidão por parte dessa gente pobre que George organizou para lutar por vida e moradia digna.
Sua memória, mesmo vilipendiada por alguns, ainda segue viva e deve ser permanentemente disputada e honrada como um mártir, herói e lutador do povo da mesma terra de Lucas da Feira, Maria Quitéria e Luís Antônio Santa Bárbara, da Feira de Santana rebelde
Centro Popular George Américo