No último domingo de setembro encerrou-se o FLIFS (Festival Literário de Feira de Santana). Realizado há doze anos, além da venda e lançamento de muitos livros, apresentações teatrais, poéticas e mesas com debates, nunca deixa de haver música.
Ao fim do dia, a Praça da Matriz, que abriga o festival, vai silenciando da agitação dos transeuntes e os ouvidos voltam a atenção para o palco fixo da praça onde, no Natal Encantado, grandes nomes da música nacional se apresentam. Para o FLIFS, ele foi batizado de Palco Maryzélia -flores em vida- como definiu a cantora. Ela, que se apresenta desde a primeira edição do evento, quando ainda se chamava Feira do Livro, reinou no palco homônimo.
Se alguém me perguntar qual artista assisti mais vezes durante minha vida empenhada em buscar música, direi sem pestanejar: Maryzélia. Vindo muito depois Geraldo Azevedo, Edson Gomes e Caetano Veloso.
Vi mais de uma centena de shows de Maryzélia, sem aqui usar de hipérbole. Muito, né? Ela sabe cativar.
Num dia de São Jorge, há nove anos, nossa velha amizade nasceu de uma luz que acendeu aos olhos de abril, parafraseando Djavan, e desde então só vi essa artista crescer.
Acompanhei mudanças na formação da banda, no nome artístico, no repertório, no modo de se portar no palco. Fui o último a sair muitas vezes acompanhando a contagem do couvert na madrugada do barzinho. Como Maryzélia cresceu e como me sinto feliz em poder escrever isso.
Ir morar no Rio de Janeiro há quase quatro anos fez com que o estado, do Redentor de braços abertos, nos devolvesse uma Maryzélia diferente. Como sabe que a Bahia lhe deu régua e compasso, ela não tem medo de lá, dizer que nasceu em Feira, na Casa de Saúde Santana.
A diferença, deixem-me explicar, é na maturidade do discurso. É uma rainha (cantora) que se posiciona politicamente no seu reinado (palco) e pra os seus súditos (público). Que enquanto os cantores do carnaval da Bahia minha preta, como Cláudia Leitte e Xanddy do Harmonia do Samba trocam palavras de origem do candomblé para não precisar cantá-las, Maryzélia exala sua ancestralidade africana, louvando os orixás e também Nossa Senhora Santana, padroeira de sua terra. “Pra matar preconceito eu renasci” posso ainda ouvi-la cantar a plenos pulmões e pés firmes no chão.
No show de encerramento do festival, destacou veementemente a importância da Quixabeira da Matinha, das figuras de Dona Chica, Coleirinho e Guda. Trouxe para o palco a participação de Roça Sound, grupo de rap e dance hall e entoou o hino mais conhecido do Pomba de Malê, da Rua Nova, com sua cobra coral.
Pra finalizar o show, depois de descer para o meio da multidão e organizar sua tradicional roda de samba, chamando um a um com sua umbigada, Maryzélia volta ao palco e convida pra dividi-lo com ela aqueles que realizaram e trabalharam no evento. Chama-os pelo nome, sabendo de cor, com carinho, com atenção, embalada pelo samba mais gostoso que a Praça Padre Ovídio já acomodou. Na porta do camarim, pessoas afoitas, amontoando-se ávidas por uma foto com a artista e o anseio de um abraço, um beijo, um muito obrigado. Mazyzélia prova que faz jus ao seu espetáculo que se chama “A Dona do Pedaço”, contudo, para mim, ela é a dona da porra toda, a dona do samba de minha terra!
Caíque Marques é jornalista e produtor cultural
Fotos: Marcus Maia / Agência Faraó