Os repasses para a Feira de Santana não encolheram só na Saúde e na Educação em 2019. A Assistência Social foi duramente alvejada também. É o que mostra consulta ao Portal da Transparência, que discrimina os valores encaminhados aos municípios. Os dados analisados referem-se ao período de janeiro a setembro, período do novo governo. O montante repassado em anos anteriores foi atualizado com base no Índice Geral de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA, calculado pelo Instituto Brasileiro de geografia e Estatística (IBGE).
Os valores não consideram repasses para beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família ou o Benefício de Prestação Continuada, o BPC.
Nos primeiros nove meses de 2019, na gestão de Jair Bolsonaro (PSL-RJ), o “mito”, foram repassados R$ 6,179 milhões. É até mais que o montante enviado pela União ano passado, que não foi além de R$ 6,118 milhões, atualizados até agosto. Mas já foi menos que em 2017, quando o valor aportado totalizou R$ 6,215 milhões, também em valores corrigidos pela inflação.
No mesmo período dos anos anteriores – nove meses – os repasses foram muito mais robustos: R$ 10,545 milhões em 2016, ano de retração feroz no Produto Interno Bruto, o PIB, e de deposição do petismo da presidência da República; em 2015, quando o País foi surpreendido pela recessão brutal, o município recebeu R$ 14,230 milhões. São valores corrigidos pelo IPCA também.
O repasse mais expressivo da série veio em 2014: R$ 33,464 milhões. Naquele ano, serviços de proteção social básica, complexa e especial contaram com aporte de recursos, transferidos de maneira direta para a administração municipal ou na modalidade fundo a fundo. Também foram beneficiados projetos de entidades sem fins lucrativos, que contaram com o aporte de recursos mediante convênio.
A partir da crise os recursos foram encolhendo, mas em 2019 a situação se tornou ainda pior. Afinal, o montante não alcança, sequer, 20% do valor pré-crise e se limita às transferências fundo a fundo. No momento não há nenhuma informação mais concreta, mas o cenário em 2020 tende a ser ainda mais funesto. Afinal, é o primeiro orçamento elaborado no próprio governo do “mito”, pouco sensível às questões sociais.
Não é necessário ser nenhum gênio para entender que os cortes alvejam exatamente aqueles que necessitam de proteção social – idosos pobres, crianças, moradores de rua, os excluídos das periferias – e que, sem esse apoio, vão esmolar pelas ruas, praças e avenidas, conforme se vê com tanta frequência aqui e em outras cidades. Os impactos sobre o aumento da desigualdade também são óbvios.
A oposição ao “mito” se concentra mais na contraposição aos seus impropérios, aos absurdos que ele despeja o tempo todo nos microfones, às suas habituais bizarrices. Quem se contrapõe precisa dedicar mais atenção àquilo que ele vem implodindo – um conjunto amplo de direitos – que às intervenções histriônicas, performáticas. O jogo dele – que serve também para encobrir sua compacta incompetência – é bem esse.
É visível que um amplo processo de desmanche do Estado está em curso no Brasil. Com ele, serão penalizados exatamente os mais pobres. Os números acima exibem esse processo sob uma perspectiva específica, com um recorte feirense. Mas está em curso também noutros lugares.
André Pomponet é jornalista e economista com especialidade em ‘Política Pública e Gestão’ Governamental
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