por André Pomponet*
Foi confusa a aprovação da reforma da Previdência dos servidores estaduais de São Paulo. Aliás, a mudança no sistema previdenciário de lá foi aprovada apenas no primeiro turno e depende de uma segunda votação na Assembleia Legislativa. E, na primeira, passou raspando: foi aprovada pela diferença de um único voto. O pacote de maldades inclui a elevação da idade mínima para a aposentadoria – inclusive de quem já está na ativa – e o aumento da alíquota da contribuição de 11% para 14%. A receita perversa é a mesma de Jair Bolsonaro, o “mito”.
Lá, o governador João Dória (PSDB-SP) enfrentou encarniçada resistência ao projeto que, como se sabe, não tem nada de popular: a oposição foi liderada pelos petistas, que se travestiram de defensores dos fracos e oprimidos. Para tentar reverter a decisão na segunda votação, houve a promessa até de carro de som à frente das casas dos deputados. Em suma, oposição iracunda.
Em Brasília – quando a proposta do “mito” foi votada – houve a mesma reação. Vozes se ergueram, indignadas, contra a medida; manifestações foram convocadas pelas centrais sindicais ligadas aos partidos de esquerda. Naquele cenário, as nuanças entre governo e oposição ficaram muito claras, o que é raridade nesses tempos.
Noutros estados, porém, faltou o mesmo empenho contra reformas previdenciárias. São os casos, por exemplo, da Bahia, do Ceará e do Piauí, três governos estaduais comandados por petistas. Nesses estados, as reformas – com teor muito semelhante à do “mito”, é necessário ressaltar – foram aprovadas com a ostensiva presença da Polícia Militar. Contrariando os colegas paulistas, nos três estados os deputados petistas votaram a favor.
A suprema zombaria é que muitos políticos que se dizem defensores dos trabalhadores foram para a ofensiva contra os servidores públicos: acusaram-nos de regalias, de privilégios, de salários elevados. Exatamente o mesmo discurso da extrema-direita encastelada no poder.
A essa gente faltou a sensatez do silêncio obsequioso. Optaram por acusações cínicas, já que a parcela do funcionalismo pejada de privilégios é uma minoria que não foi afetada. Os próprios deputados, aliás, apreciaram a matéria tranquilamente: suas aposentadorias polpudas e os demais mimos foram sorrateiramente mantidos.
É bom os petistas prestarem atenção em suas contradições. Afinal, julgam que, em 2022, o partido volta à presidência da República, aclamado pelas massas frenéticas, depois do desastroso governo do “mito”. Talvez seja recomendável cautela nos devaneios sobre este roteiro. Conforme se vê, as contradições se avolumam e podem desagradar eleitores.
Nota-se que, para muitos na legenda, a agenda à direita não incomoda. Ao contrário: alguns caciques petistas a abraçam sofregamente. A manobra talvez embuta um erro estratégico: as diversas vias do liberalismo tupinambá já estão obstruídas, da extrema-direita ao “centrão”.
Se é assim, talvez em 2022 o eleitor prefira o pitoresco ultraliberalismo que está aí na janela a uma aventura genérica…
foto de Renyvaldo Luz/João Dória no carnaval de Salvador
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