Que me perdoem os seguidores do politicamente correto, mas considero um exagero mudar o nome da icônica peça “tomara que caia” para “blusa sem alça”, sob a alegação de que a expressão primeira seria sexista.
Durante décadas, o gracioso modelo do vestuário feminino, reinou absoluto com o apelido “tomara que caia”, sem nenhum alarde. Que eu saiba, mulher nenhuma se sentiu vítima de preconceito ou melhor, discriminada pela sociedade por conta disso. Agora nos chega informação de uma campanha propondo a troca do termo em questão, encabeçada pela marca de roupas Hering e estrelada por ninguém menos que a atriz Mariana Ximenes.
Ouvida pela Harper’s Bazar (edição brasileira), revista americana de moda e comportamento feminino, a atriz desabafou: “Acho que a gente tem de procurar ter uma sociedade mais igualitária, com mais respeito à diversidade”; conforme revela a matéria divulgada há poucas semanas pela revista Veja.
Na esteira de outros países, também no Brasil as empresas dos mais variados segmentos estão assumindo um compromisso com as causas sociais da contemporaneidade. Daí o movimento inspirado nos debates cada vez mais crescentes sobre a libertação ou empoderamento da mulher, para usar um termo mais recorrente.
Mas não podemos esquecer que moda, como a própria etimologia da palavra revela, tem relação com maneira e modo de ser e estar no mundo. Assim, os batismos que as peças ganham no universo fashion estão completamente relacionados à cultura e aos costumes que as envolvem. A expressão “tomara que caia” revela algo da nossa cultura latina, maliciosa e bem humorada, por vezes até apimentada nos seus modos de ser e de narrar os fatos da vida e do nosso dia-a-dia.
Também não há como ignorar que a própria moda se encontra envolta sob um certo horizonte onde pairam o desejo e a fantasia. A composição da aparência, o vestir e o adornar o corpo, sobretudo o feminino, sempre esteve associado a um componente desejante; o corpo feminino é um corpo que se oferece à contemplação: primeiro para o próprio olhar e satisfação pessoal e, segundo, para o olhar do outro, seja ele feminino ou masculino, mas sempre esse outro que nos estimula e constitui.
Marcas históricas
Diz a história da moda, que o “tomara que caia” surgiu por volta de 1946, quando o estilista francês Jean Louis foi buscar inspiração nos corselettes do século 15 para criar uma variação do modelo de cetim que a atriz Rita Rayworth usaria no filme “Gilda”.
Já no Brasil, o “tomara que caia” teria sido introduzido nos anos 1950, a partir da reprodução do modelo criado pelo estilista espanhol Balenciaga. Ele criou uma peça decotada com corpo justo e saia rodada, até hoje preferida por noivas e atrizes em noite de Oscar. Extremamente feminina, a peça é bastante festejada no universo da moda. Sua modelagem, sem dúvida, beneficia os contorno do colo feminino, alongam a silhueta e conferem uma postura elegante. Como podemos observar, o “tomara que caia” pode ser encontrado nas blusas e vestidos, incluindo os de gala, como também em biquinis e outras peças do vestuário feminino.
Para além da peça cuja aceitação é inegável, a sua terminologia (considerada sexista ou pejorativa, por alguns), parece evocar aspectos culturais que se encontram ancorados numa historicidade e numa tradição cultural muito mais lúdica e desejante; em que a pulsão de vida se faz extremamente presente. Não por acaso, também em Portugal, a peça ganha um batismo similar: “caicai”. Assim, ao invés de batismos meramente descritivos e politicamente corretos, atestamos nesta expressão algo das culturas ibérica, latina e brasileira, regada talvez a preconceitos, mas também a muita criatividade e bom humor!
PS: Texto escrito com a colaboração de Renata Pitombo Cidreira, professora da UFRB e pesquisadora de moda, autora de Os Sentidos da Moda (2005), A Sagração da Aparência (2011), e As Formas da Moda (2013) entre outros.
Feira de Santana, 22 de abril de 2020
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