– Eu tenho que reconhecer que foi o atual governador que melhorou o Centro Histórico. Era abandonado, perigoso para o turista, mas melhorou muito.
Ouvi isso de um motorista de aplicativo em São Luís. Deslocava-me de uma pousada no próprio Centro Histórico em direção à Universidade Federal do Maranhão. Naquele diálogo curto ele tentava insinuar elogios a Jair Bolsonaro, o “mito”. Calado, eu preferia apreciar a paisagem, o rio Bacanga, com suas águas azuis, calmas, sob a ponte na Avenida dos Portugueses. Em volta, a lufa-lufa do início da manhã. O alvo do elogio era o governador Flávio Dino (PC do B).
O Centro Histórico da capital maranhense debruça-se sobre a Baía de São Marcos que, ali, encorpa-se com os rios Bacanga e Anil. Do mirante que fica junto ao Palácio dos Leões e à Capitania dos Portos é possível acompanhar inesquecíveis entardeceres. O espetáculo é longo, multicor. À direita, o rio Anil, a ponte de São Francisco, os espigões modernosos do Jardim São Francisco estendendo-se para os lados do Iate Clube.
A maré na Baía de São Marcos reforça o encanto do turista. No início da tarde emergem, com a vazante, os caprichosos sulcos que a correnteza milenar produz. Aves de bicos pontiagudos aventuram pesca, destacando-se na paisagem parda, de pouca cor e muita luminosidade. Aos poucos a maré sobe e a água, azulada, vai invadindo os canais naturais, encorpando-se, aproximando-se das muralhas que limitam a avenida Beira-Mar.
A luz do sol dilui os sulcos num espelho imenso. A paisagem é parda e o céu assume um azul que desfalece aos poucos, diluindo-se numa névoa azulada que sombras envolvem devagar. E, no centro de tudo, o sol é uma encantada esfera de cobre. Afora quando os motores roncam sobre o asfalto da Avenida Beira-Mar, o silêncio se estende, teimoso. Aquele ritual atrai muitos ludovicenses – é assim que se denomina quem nasce em São Luís – àquelas escadarias que conduzem à Beira-Mar. Além dos turistas, óbvio.
Não faltam atrações arquitetônicas naquelas imediações: o imenso Palácio dos Leões, com suas dezenas de sacadas, a Catedral da Sé, com seus tesouros barrocos e o imponente prédio do Tribunal de Justiça do Maranhão, com sua impregnada sabedoria jurídica. A partir dali o Centro Histórico se irradia com seus casarões, suas igrejas, suas artérias longas e estreitas e suas escadarias, pelas quais circulam extasiados turistas e nativos alegres e ruidosos.
Para o baiano, sobretudo aquele ranheta, as comparações com Salvador e o Pelourinho são inevitáveis. Em São Luís, há mais compartilhamento dos espaços comerciais e residenciais. Muita gente vive no centro da capital maranhense, o que assegura movimento permanente. Como todo mundo sabe, o Pelourinho baiano ainda vive as agruras de sua equivocada exploração estritamente comercial.
O cotidiano vivo impulsionou a realização de eventos nos diversos espaços do Centro Histórico. Todos os dias – mas sobretudo nos finais de semana – veem-se levas de jovens divertindo-se. Muitos são da própria São Luís. Um aspecto facilita aquele fluxo contínuo: a proximidade de um terminal de ônibus, que conecta o centro às diversas regiões da capital. Parte significativa do movimento – e, sobretudo, do consumo – é sustentada pelos turistas que acorrem à cidade. Argentinos, por exemplo, estão sempre presentes.
O longo período de isolamento social resgata essa e muitas lembranças de viagens. Principalmente porque as restrições ao deslocamento são essenciais para frear o avanço da pandemia. Quando o corpo não pode viajar, a mente se desprende e revisita esses espaços, aviva-os ante incontáveis fotografias.
Outras lembranças virão? Nos últimos dias, é só aguardar que o silêncio da noite se encarrega de fazê-las aflorar.
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