Ouço, lá fora, o espocar constante dos fogos. Na janela, sinto aquele cheiro característico de fumaça, comum nas inesquecíveis noites de São João. Daqui não vejo nenhuma fogueira, mas noto a atmosfera, às vezes, esfumaçada. Na véspera, no sábado à noite (23), também se ouviu o espocar esporádico de fogos. Estouravam distantes e, logo depois, o silêncio melancólico se impunha mais uma vez.
Só no fim da noite o silêncio prevaleceu de vez. É que até os foguetes ocasionais silenciaram. Só se ouvia a sinfonia dos grilos, martelando, incessante, como sempre. Subitamente, às 23 horas, uma névoa densa cobriu como um manto alvo a Feira de Santana. À distância, o centro da cidade desapareceu nessa bruma, alaranjada pelas lâmpadas da iluminação pública.
Lá para os lados da Avenida Contorno – com suas lâmpadas azuladas – a bruma adquiriu um tom azul, esbranquiçado. E, bem no meio do céu, viam-se as duas tonalidades mesclando-se, compartilhando a escuridão e o silêncio. Sim, o silêncio persistiu, porque os fogos e os motores dos automóveis silenciaram no começo da madrugada.
A noite do domingo começou como véspera de São João: fogos pipocando, gritos infantis distantes, gente que passa, impregnada do espírito junino. Sim, ainda é maio, mas o feirense, pelo visto, não se importa em antecipar a celebração. Daí a disposição para a folia, apesar do silêncio denso que sempre acaba prevalecendo.
São estranhos esses tempos de pandemia: os governos anteciparam feriados e o São João – pulsante símbolo da cultura nordestina – será 30 dias antes, em 25 de maio. É óbvio que o objetivo é aumentar a adesão ao isolamento social, desestimular que as pessoas saiam e contraiam o Covid-19. Mas muitos parecem dispostos a cumprir a tradição com rigor. Daí o foguetório, as fogueiras.
É sensato recomendar que todo mundo fique em casa, mesmo porque até uma singela fogueira na calçada, compartilhada com vizinhos, pode atrair gente, ajudar a disseminar o coronavírus. Mas eu entendo o sufoco do brasileiro – e do feirense – açoitado pelas incertezas nestes tempos de pandemia. É natural que ele deseje uma recreação, um folguedo, como se dizia no passado, até para esquecer as agruras que estamos atravessando.
A questão é que o Covid-19 não dá trégua. Hoje (24), na Bahia, houve novo recorde no número de mortes: 47. Quase 900 novos casos foram registrados. Só aqui na Feira de Santana, mais 15 vítimas confirmadas. As medidas de contenção, portanto, seguem indispensáveis, apesar do triste espetáculos dos acólitos de Jair Bolsonaro, o “mito”, desdenhando da pandemia e reivindicando, possessos, a reabertura do comércio…
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