
É mais que conhecido (será mesmo?) o fato de que faltam testes para a Covid-19 na Secretaria de Saúde de Feira de Santana. Ah, “isso a Globo [local!] não mostra”. Uma vez apresentando, você, paciente que não se realiza enquanto tal, um quadro de sintomas leves, experimente buscar o serviço de atenção à Covid-19 do município. Se antecipe ao atendente, peça você mesmo para aguardar na linha e ser monitorado. Depois, ainda não contente, abafada a agonia que segue à secura do “não tem teste”, vai: não custa sonhar em ser acompanhado, ainda que remotamente, por quem-quer-que-seja da equipe da Vigilância Epidemiológica.
Basta uma ligação e… Seus sintomas se agravaram? Tem cumprido a quarentena? Agora, acorde. Você poderia, mas escapou dessa: felizmente, não irá integrar o necessário memorial “Inumeráveis”, mas permanecerá insondável enquanto um paciente que nunca chegou a sê-lo. Há contas, porem, a acertar com a Secretaria de Saúde da sua cidade. Ok, ok, você tem razão: mesmo que se trate, este quadro que rabisquei – em que peco, com as suas desculpas, por excesso de realismo, e, você acrescentaria, igualmente de idealismo – de um esboço demasiado geral e precário, que, dia a dia, parece se impor à atuação de um país sem um ministro da saúde face a uma pandemia devastadora, não é improvável que venham à tona diferenças significativas de coordenação mesmo dentro do próprio estado da Bahia. Sutis ou expressivos, os contrastes em como cada secretaria municipal tem conduzido sua gestão nesta crise sanitária, persistirão ainda no caso de ponderarmos (e devemos mesmo considerar) as variáveis escalas e heterogeneidade de municípios que compõem o estado.
Este, porém, é um serviço que está por ser prestado pelos jornalistas, ao menos no raio de cobertura do veículo ao qual estão vinculados. Trabalhadores cuja atividade – não por acaso, alvo de contumaz perseguição por parte da autoridade máxima do Executivo do país e dos seus apoiadores mais ferrenhos – revela-se, uma vez mais fundamental, para a vida cotidiana, para a vida elementar do cidadão. Mais do que tomar conhecimento sobre as linhas de enfrentamento à propagação do vírus na cidade em que é domiciliado, há que estar claro, outrossim, vez que a saúde, segundo pesquisa Ibope realizada em agosto de 2018 – antecedendo, portanto, o último pleito eleitoral – figura como a mais premente preocupação dos brasileiros, planos de monitoramento, gestão e controle que poderiam, mas que, entretanto, não têm sido implementados.
Ora, se expandirmos um pouco o nosso horizonte de conhecimento (sem informação, não há liberdade – por isso atentar contra os jornalistas, mediadores profissionais entre a população e os governos e seus feitos, é atentar contra o próprio povo), e alcançarmos municípios vizinhos, logo descobriremos que este que vos fala não está aqui tratando de idealismo ou utopia; antes, de algo bastante concreto. Não se sabe, contudo, quão interessante é, para os governantes, que o radar do cidadão comum seja expandido, mas não me resta qualquer dúvida de que é imprescindível para que consigamos avaliar razoavelmente um dos principais problemas que elegemos, ainda segundo o referido levantamento realizado pelo instituto de pesquisa, atacar: a saúde pública.
Neste âmbito, seria muito importante ainda que os jornalistas, a quem, como mediadores que são, cabe não apenas perguntar, como serem inquiridos, esclarecessem sobre as funções de cada órgão competente e os correlatos poderes a que estão submetidos. Trocando em miúdos: o que, aqui, pode ser considerada uma negligência do Ministério da Saúde e, concomitantemente, do Governo Federal? O que é de atribuição da Secretaria de Saúde do Estado? Ciente do que lhe compete, caberia uma ação mais enérgica da Secretaria de Saúde da cidade em que vivo? Mas a que tempo estaremos aptos a responder estas questões? Como os telejornais a que assistimos, os veículos que consumimos, as redes que acionamos, têm contribuído para dotar indagações tais da relevância que merecem? As têm pautado? Restando somente o silêncio, com base em que parâmetros avaliarei a gestão, em matéria de saúde, de quem foi eleito?
Dito isto, volto-me agora a uma pergunta que me tem tirado o sono: que sorte de cuidado e responsabilidade com a vida tem um prefeito (convém lembrarmos, que não cansa de arrogar-se médico) que decide pela flexibilização da livre circulação de pessoas e mercadorias antes mesmo de preparar o sistema de saúde, que, se não em flagrante colapso, o beirando – a Tv Subaé mostrou, mas apenas parcialmente, pois não deu ao fenômeno reportado o devido nome – precisamos repetir: colapso. Onde e às custas de quantas vidas o prefeito Colbert Martins Filho escondera seu jaleco? Uma das muitas acepções que “gerir” pode assumir é: antecipar-se às crises. Esquivando-se, desviando-se deste responsabilidade, resta ser porta-voz da calamidade impunemente projetada: falsear um controle, tratando-a, ao mesmo tempo, como uma fatalidade – eu nada tenho a ver com isso.
Enquanto somos espectadores (e/ou vítimas) dessas cenas, vejo jornalistas cumprindo um papel questionável: investidos da autoridade que enverniza seu ofício, apostam na responsabilização individual, sem que aos cidadãos sejam antes suficientemente asseguradas as informações de que precisam para orientar sua conduta, a nível local – onde finalmente habitam, onde se movimentam. A título ilustrativo, parece ter havido, recentemente, um “delay” de cerca de uma semana na principal emissora televisiva da região sobre o número atualizado de mortes no munícipio.
Isto porque é manifesta a ausência dessa tríplice a que a administração pública, e não apenas o marketing político, deveria ser devota: gestão, transparência e eficiência (a propósito deste último “pilar”, a entrega do hospital de campanha segue, a essa altura, incerta). Tamanha negligência é uma aberração para uma cidade do porte de Feira de Santana. Cadê a Câmara Municipal? E onde estão, por outro lado, para não dizer que não falei em mosquitos, os agentes de saúde da Prefeitura para trabalharem, bairro a bairro, no combate à epidemia da Chikunguya, que neste ano ganhou novo fôlego e vem assolando a população feirense?
Até podemos desculpar os poderes constituídos e apelar para o plano da comunidade quando todas as medidas cabíveis, quando tudo o quanto possível fora feito pelos decisores sobre políticas e recursos de que dispomos. No entanto, não se configurando assim o caso em rápido exame; em outras palavras, em não havendo uma liderança cuja função fora legitimamente designada (a bem dizer, um prefeito!), não há como governo e comunidade cooperarem. Por enquanto, sobram perguntas sem respostas, e falta, inclusive, quem perguntas lhes façam. O mais que vemos é uma página inglória da luta contra o coronavírus na cidade de Feira de Santana. Para muitos de nós, contudo, é bom que se saiba: já está mais do que claro quem a assina. A crise sanitária é política.