A violência contra a mulher assume novos contornos em meio à pandemia do novo coronavírus. Os registros estão ocorrendo principalmente na periferia, onde as condições de sobrevivência são normalmente precárias. Isso não quer dizer que esse seja o limite geográfico para os casos de agressão – física ou não – à mulher. Mas não resta dúvida que nesses lugares a incidência desse tipo de crime é mais recorrente.
A perda do emprego decorrente da crise e, consequentemente, a falta de dinheiro para atender as necessidades mais básicas, o alcoolismo e o ambiente desfavorável das moradias onde se aglomeram muitas pessoas, inclusive crianças, são fatores que contribuem para desencadear a agressão.
Uma violência herdeira do patriarcado, como vai nos chamar atenção a feminista bell hooks: “baseada na crença de que é aceitável que um indivíduo mais poderoso controle outros por meios de várias formas de força coercitiva”. Para a autora, o termo ‘violência patriarcal’ tem a força de expressar que a violência no lar está associada ao sexismo, à dominação masculina.
Infelizmente, com a ascensão feminina ao mercado de trabalho e o desemprego que assola muitos lares, os homens sentem que para manter o poder e o controle, ao menos dentro de casa, precisam e devem usar a força. É uma forma de dominar as mulheres e de se sentirem poderosos e respeitados em algum espaço, nem que seja o privado. Se este quadro já se revelava complicado antes da pandemia, com o isolamento social, o cenário se tornou extremamente preocupante.
Em Feira de Santana, entre os meses de março e abril a violência doméstica cresceu 9% conforme dados divulgados pela Delegacia da Mulher. Mas esse não é um caso isolado, muito pelo contrário. Estudos apontam que o aumento da violência está acontecendo em vários pontos do país e do mundo desde que começou a pandemia.
Para se ter uma ideia, entre abril e maio deste ano o número de feminicídios cresceu 22%, em 12 estados brasileiros se comparado ao mesmo período de 2019, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado recentemente.
Para complicar ainda mais a situação, as medidas de quarentena e de isolamento social – necessárias nesse momento – acabam dificultando a formalização das denúncias às autoridades policiais. A essa dificuldade vem se somar o medo da vítima de denunciar o parceiro, que neste momento está em casa, sem ocupação.
Por isso mesmo, especialistas consideram que a estatística está longe da realidade vivenciada pela mulher quando se trata de violência doméstica, se levarmos em conta a subnotificação que já preocupa em condições normais.
“Nenhuma mulher está livre da violência doméstica”, já alertava Maria da Penha, inspiradora da lei que leva o seu nome, em vigor desde 2006. E se a vítima não tem onde denunciar o seu agressor, corre o risco de ser assassinada. Essa é a realidade de muitas mulheres que não fazem a denúncia, seja por medo ou porque no município onde moram não dispõe de uma delegacia especializada.
É bem verdade que foram criadas medidas criativas de combate à violência doméstica, com o auxílio das redes sociais e aplicativos. Até mesmo o velho ditado popular “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, veio à tona nesse momento, mas de modo contrário. A orientação para a vizinhança é acionar a polícia ao ouvir briga entre casais.
Entretanto, em que pese as medidas em defesa da mulher adotadas no Brasil, é preciso intervenções mais urgentes e eficazes para coibir as agressões, que acontecem não só na periferia, mas também nos condomínios de classe média e média-alta. Infelizmente, o país ocupa uma triste posição nas estatísticas mundiais de violência doméstica e feminicídio, como é denominado o crime contra mulher.
Segundo estudos de Heloisa Bianquini, pesquisadora do Núcleo de Direito dos Negócios e do Grupo de Pesquisas em Direito, Gênero e Identidade da FGV Direito SP “a taxa anual de feminicídios é de 2,3 mortes para cada 100 mil mulheres no mundo, e de 4 mortes para cada 100 mil mulheres no Brasil. Ou seja, a nossa taxa é 74% maior do que a média mundial.” O que é estarrecedor!
Feira de Santana, 05 de junho de 2020
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