A morte sempre despertou, em mim, um sentimento de desolação. Não consigo ver com naturalidade as estatísticas que desfiam mortos em acidentes automobilísticos, na epidêmica violência urbana ou em catástrofes naturais, enchentes, terremotos, seja lá de que forma for. Atrás de cada número há sempre um rosto e a dor de uma família. Creio que é uma lição que ficou dos tempos em que militei no jornalismo policial: atrás de cada nome e de cada rosto que estampava uma página estava a dor dilacerante de uma mãe, de um familiar desconsolado.
Com a pandemia da Covid-19 não é diferente. E a sensação de pesar e de impotência – algo nos dilacera quando descobrimos que não podemos fazer nada – cresceu à medida que a contaminação – e as mortes – foram se aproximando da nossa realidade. Aquilo que no começo pareceu um longínquo problema chinês ganhou contornos dramáticos quando alcançou a Itália e se converteu em tragédia quando se disseminou pelo Brasil. Não tem sido fácil acompanhar os números aqui na Feira de Santana.
Até ontem (23) foram confirmadas 128 mortes, segundo o boletim da Secretaria Municipal de Saúde. À primeira vista, a situação do município seria até confortável, diante da catástrofe que se viu noutros lugares do Brasil. Mas é preciso um pouco mais de atenção antes de sair por aí, circulando, feliz, imaginando que o pior já passou.
Desde segunda-feira (20) foram confirmadas 25 mortes aqui na Feira de Santana. Ou seja: quase um quinto dos óbitos foi notificado desde aquela data. São apenas quatro dias. O triste recorde, inclusive, foi quebrado ontem: nove óbitos confirmados, desbancando a terça-feira (21), com seus oito registros.
Alguns argumentam que são ocorrências antigas, só agora confirmadas. Tudo bem: a lógica que se aplica ao passado também vale para o presente. Ou será que todas as mortes dos dias atuais estão sendo notificadas de imediato? Caso alguma mudança revolucionária para agilizar as confirmações tenha ocorrido, não chegou ao conhecimento da imprensa.
Bem, as notificações vão se avolumando exatamente na semana em que o comércio reabre pela terceira vez, com ousadas inovações. Lojas com mais de 200 metros quadrados – aquelas em que se aglomeram consumidores sem pressa – também foram reabertas. Creio que os 40 leitos de UTI entregues no Clériston Andrade 2 ancoraram a decisão, que talvez tenha que ser revista logo lá adiante: 23 leitos já tinham sido ocupados até a quarta-feira.
Acompanho declarações otimistas sobre o estágio da pandemia de Covid-19 na Feira de Santana. Torço para que estejam corretas, embora as medidas adotadas aqui destoem de práticas exitosas em outros lugares mundo afora. Mas cultivo o direito de seguir cauteloso, imaginando que o pior não passou, ao contrário do que muitos pensam…
ilustração: Fé e Ciência Acrílica sobre tela15X15cm do artista Jean LIma
- Muita muvuca e pouca mudança - 09/10/2024
- Não, não façam suas apostas - 28/09/2024
- Mulheres dependem mais do Bolsa Família em Feira - 24/09/2024