
O silêncio das noites de pandemia da Covid-19, muitas vezes, só é estilhaçado pelas buzinas estridentes dos entregadores de comida por aplicativo. Eles estão por todas as partes da cidade, com seus múltiplos modelos de motocicleta, seus capacetes estilizados, seus blusões surrados e sua pressa desesperada. Na inquieta escuridão destes tempos, eles são os protagonistas da noite feirense, deslizando sobre o asfalto áspero e luzidio de ruas e avenidas. Cumprem a nobre missão de garantir o acesso cômodo de muitos feirenses às suas refeições.
Pois ontem (25), Brasil afora, houve mais uma paralisação destes profissionais, que reivindicam melhores condições de trabalho. Aqui na Feira de Santana, pelo menos durante o dia, o movimento foi menos frenético que o habitual. Tudo indica que parte dos entregadores feirenses aderiu à mobilização. Estão corretos: quem conhece um pouco da realidade de quem ganha a vida sobre duas rodas se avexa com a imensa precariedade.
Vejo-os com frequência aqui da janela que me permite enxergar a vida nestes tempos de isolamento social. Muitos fazem suas entregas sem equipamentos de segurança – já vi alguns até sem máscara –, expondo-se e expondo a clientela. Chegam apressados e, mal encostam a motocicleta – uma minoria trabalha com bicicletas – já vão saltando, recitando nomes e endereços para porteiros, avançando com passos largos em direção aos seus destinos.
Mal se desincumbem de uma tarefa, já aboletados na moto, vão checando o novo endereço, ganhando tempo para a próxima entrega, ligando o motor com aquele gesto febril e partindo, deixando atrás de si o silêncio que se adensa, novamente, aos poucos. À distância, ouve-se que acionam a buzina aflita a cada cruzamento sombrio.
Quantos trabalhadores feirenses asseguram o sustento da família equilibrando-se sobre duas rodas? É difícil saber. Faz anos que muita gente sobrevive transportando passageiro, numa faina de dar dó. Mas, agora, com a pandemia e a redução na quantidade de passageiros, muito mais gente está apelando para o transporte de encomendas – alimentos e remédios se destacam –, enfrentando imensas adversidades.
Os aplicativos de comida que vendem facilidades, no futuro, serão vistos como os senhores contemporâneos de escravos. Com sua propaganda agressiva, vendem uma modernidade que se espatifa no respeito às condições de trabalho. Pagam uma miséria, impõem exigências draconianas, exploram o desespero e o desalento de centenas de milhares de brasileiros, sobretudo dos mais pobres e dos mais jovens.
Caso estes fiquem doentes ou sofram algum acidente, desgraçam-se: só há renda com serviço prestado e amparo só na difamada rede pública de saúde, essa mesma que os vampiros no poder desejam privatizar. Só agora, com a pandemia, é que esse drama ganhou visibilidade no Congresso Nacional. Prometem – sempre as promessas – avaliar projetos de lei que garantam algum direito a esses profissionais.
Portanto, nobre feirense que enfrentou algum embaraço quando pediu comida ontem, releve e apoie a mobilização dos motoboys brasileiros. Sei que a fome é grande e o direito do consumidor é maior ainda, mas é preciso empatia em tempos de pandemia. Essa gente presta inestimáveis serviços. A comida sempre chega quentinha e dentro do prazo e, às vezes, o cidadão desempenha sua tarefa com um sorriso no rosto, apesar de todas as atribulações do ofício.
Mais direitos para os trabalhadores de aplicativo pode significar êxito numa grande batalha da guerra contra a barbárie da desigualdade…
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