A tarde caiu castanha ontem (21). Não prevaleceu nem o chumbo das nuvens cinzas, nem o rubro do poente límpido. As chuvas vão escasseando, porque já é agosto. O sol ganha vigor: o suor escorre pelos semblantes da gente atribulada pelas ruas. O frio de julho, a garoa prateada de julho, a efêmera sensação de inverno de julho se foram. As noites surpreendem com um sopro morno que já anuncia setembro. Com ele – tudo indica – virão manhãs e tardes quentes, mas com aquela luminosidade fantástica que prenuncia a primavera e a promessa de flores brotando nos jardins feirenses.
As noites de julho foram vazias. Sem traquejo para termômetros abaixo dos 20 graus, o feirense ficou em casa. Mas mesmo os noctívagos incorrigíveis – aqueles que não abdicam das sombras noturnas – ostentavam agasalhos. Via-os andando apressados, pisando firme as padras róseas do azulado calçamento feirense. Um ou outro praguejava, indignado com aquela eventual sensação de 17 graus.
A elevação da temperatura e a naturalização da pandemia da Covid-19 estão reconectando o feirense com sua rotina. Nas noites de sexta-feira – silenciosas e vazias desde meados de março – já há vozes animadas pelas ruas, arrocha ou pagode no som dos carros, música longínqua nalguma festa animada. Não são, ainda, aquelas sextas-feiras libertárias, em que o sujeito se desfaz das amarras profissionais e vai ser ele mesmo nas mesas dos bares, sob fraternas algazarras. Mas muitos já antecipam o recomeço.
Tudo indica que as eleições que se aproximam vão contribuir para esse clima de normalização. Nas esquinas do centro da cidade muitos puxam a máscara para opinar, exaltados, sobre as eleições de novembro. Fazem prognósticos, apontam favoritos, avaliam o governo de plantão. Ali pelas cercanias da Câmara Municipal não faltam entendidos que traçam cenários, indicam quem se reelege ou não, quem tem chances de ocupar uma das disputadas cadeiras do Legislativo.
Qual o espaço que a pandemia de Covid-19 vai ocupar nas eleições? Não falta quem deseje ignorar o tema, esquecer o isolamento e as mortes. Repisam questões que já estavam no noticiário desde o começo do ano: o polêmico Bus Rapid Transit – o BRT – cujo funcionamento o feirense até hoje aguarda; a pendenga dos camelôs e ambulantes que serão realocados no controverso shopping popular, na área do maltratado Centro de Abastecimento.
No afã de se abrigar no cotidiano pré-pandemia – que jamais será reatado como era – olham só de soslaio para conferir os estragos provocados pela Covid-19: o comércio depauperado com lojas fechadas, a gente desempregada, o trabalhador com sua renda comprimida, o abalo na rotina escolar, as mortes de quase 200 feirenses. E evitam comentários.
Ao contrário do que supõem, esse deveria ser o tema principal da eleição que se aproxima: a reconstrução da Feira – e da Bahia e do Brasil – no pós-pandemia. Não se trata de desprezar ou negligenciar as questões mencionadas, que foram ainda mais potencializadas pela Covid-19. É que elas, a partir daqui se articulam à questão mais ampla da recuperação do Brasil, abalado pela pandemia.
O desafio é incontornável, mesmo com os deploráveis atores políticos que se veem, canhestros, lá no Planalto Central…
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