– Não estou indo na rua, não. Compro o que preciso perto de casa e, quando a situação melhorar, vou no centro da cidade. Não quero pegar transporte cheio, ficar em aglomeração, essas coisas.
O comentário é de uma dona-de-casa num mercadinho feirense. Acrescentou que nem quando a pandemia da Covid-19 arrefeceu – naquele breve intervalo entre as duas ondas – ela se arriscou. O que ela aguarda? A vacina, conforme comentou com a interlocutora, uma idosa de máscara azul, cabelos acaju e olhos muito vivos. “O pior é que ainda vai demorar até chegar na minha idade”, lamentou, arrematando com um suspiro.
– Tô precisando fazer uma reforma lá em casa, mas agora não dá para meter a cara, não. Esperando a poeira da pandemia baixar…
Quem comentou isso foi um moto-taxista aguardando passageiro numa manhã ensolarada de abril. Pardo, meio calvo, barba por fazer, a pança arredondada. O interlocutor era um branquelo muito magro, de cabelos ralos. Explicou detalhadamente o que pretende: desmanchar a cozinha, ampliá-la, adicionar um cômodo novo. Mas as incertezas da pandemia o põem reticente: a clientela sumiu, é arriscado assumir dívidas.
– E nada de chegar vacina pra gente… – comentou o branquelo, desolado.
A apreensão aumentou porque as vacinas para a primeira dose acabaram. Não apenas na Feira de Santana, mas em muitos municípios brasileiros. A imprevidência do governo de Jair Bolsonaro, o “mito”, na aquisição dos imunizantes, vai arrastar o paradeiro na economia sabe-se lá até quando.
O receio de contrair o vírus – é bom lembrar que os hospitais permanecem lotados – está afetando a disposição de muitos brasileiros de sair para consumir. Outros não podem investir, mesmo numa modesta obra doméstica, porque as expectativas para a economia, no curto prazo, são sombrias. A estagnação que todo mundo vê resulta da combinação das visões pessimistas da população.
Qual a é a solução para o imbróglio? A vacinação em massa. Caso apostasse nisso lá atrás – governantes que não tem fixação pela morte começaram a se mexer ano passado – o governo de plantão em Brasília teria um cenário muito mais promissor. Mas, não: apostaram na fantasia das medicações milagrosas e ineficazes e até debocharam das vacinas. A fatura, agora, está aí, pesadíssima: economia paralisada e centenas de milhares de mortos.
Para a sua claque, o “mito” insiste no discurso da reabertura irresponsável, como se a reativação da economia dependesse só de loja aberta ou fechada. É mais um engodo. Afinal, como é que se pretende convencer o consumidor a se arriscar? A toque de baioneta? A vacinação – combinada às medidas de isolamento social no curto prazo – é o único caminho racional. É o que demonstram os diálogos da gente simples da Feira de Santana reproduzidos acima.
São muito mais sensatos que os mentecaptos encastelados em Brasília.
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