– Naquela época lembro que os velhos jogavam dama bem aqui!
A frase foi lançada logo depois da remoção dos relojoeiros e chaveiros que trabalhavam ali naquele beco que fica bem atrás do Mercado de Arte Popular, o MAP. Uma senhora sisuda, empertigada, de olhos nostálgicos, resgatava um cenário de décadas atrás, feliz.
Trata-se da rua Pedro Francelino, que, noutros tempos, atraía gente procurando peças para relógios, cópias de chaves ou reparos em pequenas joias. Mais adiante, ao meio-dia, o trecho entre a Libânio de Moraes e a avenida Senhor dos Passos apinhava-se com os que recorriam aos agitados restaurantes instalados nas barracas metálicas.
Comerciários, camelôs, ambulantes, modestos funcionários públicos, gente da imprensa abancavam-se por aquelas mesas distribuídas por espaços exíguos e dedicava-se aos pratos feitos de fígado, frango, ensopado de boi ou bife. Saciado, quem tinha compromisso sorvia cafezinho em copo plástico, contava os minutos, retornava aos seus afazeres. Alguns, alforriados do relógio, retardavam-se, conversando aos berros.
Às sextas-feiras, a comida baiana que antecipava o final da semana, as refeições mais longas, com mais conversa, mais risos; aos sábados, a feijoada, a rabada, o mocofato, muita cerveja, os ruidosos bate-papos dos grupos que iam se formando. Depois os grupos se dispersavam e, no meio da tarde, a quietude já se impunha. Só retardatários bêbados teimavam em entabular conversas, falando alto.
Quem sustentava aquela animação – o pulsar típico do mercadejar nordestino, prenhe de vida, que se vê aqui, em Campina Grande, em Juazeiro, até mesmo em Santo Amaro, bairro lá da Zona Sul da cidade de São Paulo – era o camelô, o ambulante, o prestador de pequenos serviços e as suas amplas clientelas. Não só ali: nos demais becos do entorno, na Marechal Deodoro, nas cercanias da Praça da Matriz, na rua Recife, na Praça dos Remédios.
Na pandêmica tarde de sexta-feira em que operários e uma máquina barulhenta removiam as barracas na Libânio de Moraes – era setembro – acompanhei tudo ali do Mercado de Arte Popular. Pesaroso, um trabalhador comentou, enquanto aplicava álcool em gel nas mãos:
– Como é que querem um centro de cidade sem gente?
Em volta, silêncio. Mas todo mundo percebia – sentia – que um capítulo da História feirense findava ali. Mas há imensas semelhanças com o que aconteceu quatro décadas atrás: a feira-livre foi deslocada para o Centro de Abastecimento, mas o comércio de rua voltou aos poucos. Ironicamente, a mesma tentativa se repete agora.
Para muitos trata-se, efetivamente, só de uma tentativa. Não falta quem aposte no retorno no médio prazo, com ou sem “rapa”. Quem fala é a gente da rua, acostumada à faina da rua, não burocratas de gabinete.
Voltando à senhora que relembrava o jogo de damas na silenciosa rua Pedro Francelino: depois da frase, ela avançou uns passos na via desimpedida, talvez na tentativa inútil de resgatar a infância longínqua. Por fim, ficou com um ar abobalhado, de quem constata que não se pode mais reaver o que já não existe mais.
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