Sempre que penso nos festejos juninos, lembro do Centro de Abastecimento da minha infância, nos anos 1980. À época, o entreposto era destino obrigatório no 23 de junho, véspera de São João. Para ele o feirense acorria, lá abastecia-se para o tradicional festejo, tipicamente nordestino. Corredores e escadarias eram avidamente disputados pelos consumidores. Naquele tempo, a cultura da feira-livre era mais sólida, mais arraigada. Supermercados, mercadinhos e suas conveniências não encantavam o feirense, ainda muito vinculado aos hábitos rurais.
Intuía-se a multidão desde antes dos limites do entreposto. Velhos ônibus, paus-de-arara, carroças, bicicletas, motos, utilitários e automóveis disputavam os estacionamentos das cercanias. Afora a ruidosa multidão de pedestres. Garoto, encantava-me com aquela agitação – movida por uma sensação festiva – que se renovava a cada ano. O São João era aguardado com ansiedade.
A ânsia mercantil impunha o caos ao setor atacadista, eriçando até seus paralelepípedos irregulares, escorregadios. Montanhas de laranja – sempre se dizia que eram de Alagoinhas –, de amendoim e de milho sucediam-se, às vezes ocupavam até a via por onde circulavam os veículos. Quem vendia punha energia em tudo: nos pregões, no manuseio dos produtos, na contagem do cento da laranja ou do milho, até no prosaico repassar do troco. Estratégia de venda.
Naquela fartura, o cliente deslizava pelas trilhas estreitas, às vezes esbarrava nas poças de lama – sobretudo quando chovia, como se vê neste ano de 2021 – e, nos anos em que a economia marchava bem, acotovelava-se disputando produtos, sem regatear. Aquele frenesi permanece nítido em minhas lembranças até hoje. Quando passo por lá, às vezes o reencontro, resgatando por um instante efêmero estas recordações.
No galpão intermediário ofertavam-se os ingredientes para os bolos tradicionais da época. Sisudas sertanejas, em suas bancas, expunham puba, carimã, aipim. Às vezes também o milho e o amendoim para quem não se dispunha a enfrentar o caos e a lama do setor atacadista. Multicoloridas, as garrafas de licor ordenavam-se em desenhos simétricos. Naquelas barracas metálicas, vermelhas, que abrigavam bares, bebuns militantes já enxugavam garrafas.
Os olhos infantis costumavam cintilar nas cercanias dos galpões de cereais. Era lá que improvisavam-se banquinhas com fogos. Bombas, cobrinhas e foguetes – com suas embalagens chamativas – despertavam atenção. Adultos, perdulários, investiam nos fogos, reatando conexões insuspeitas com a infância. Mais limpo e tranquilo, o galpão de cereais abrigava os sertanejos em compras, que aproveitavam os intervalos para dedicar-se a um aperitivo e a jogar conversa fora.
Naqueles tempos, era trabalhoso circular pelos corredores e escadarias do Centro de Abastecimento. A clientela acotovelava-se defronte às barracas, aglomerações se formavam numa confusão de sacolas, carrinhos, pés ansiosos e pressa. Quando chovia, todo mundo ficava salpicado de lama, os mais previdentes abrigavam-se sob sombrinhas e guarda-chuvas, outros esgueiravam-se sob os toldos das barracas.
Desde então a Feira de Santana se tornou mais urbana e o Centro de Abastecimento perdeu protagonismo, embora se mantenha como referência comercial da cidade. Pouco afeito à feira-livre, o feirense mais jovem forjou-se na comodidade das padarias, dos supermercados. A cidade também cresceu, tornando mais complicados os deslocamentos, sobretudo em datas festivas.
Mas, apesar de tudo, o Centro de Abastecimento – assim como o Mercado de Arte Popular – segue como sólida referência comercial e cultural da Feira de Santana. Nas datas festivas, especiais, não há como não reverenciar estes espaços.
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