“E se o servidor que denunciou o esquema da Covaxin não tivesse estabilidade no cargo”? Nas fervilhantes mídias sociais deparei-me muitas vezes com esta pergunta, desde que o escândalo veio à tona, semana passada. Vá lá que o servidor tem costas parcialmente quentes – é irmão de um deputado federal – mas, sem estabilidade, seguramente ele não teria como fazer a denúncia.
Pois é justamente a estabilidade dos servidores públicos que está em xeque na contrarreforma administrativa que o desgoverno de Jair Bolsonaro, o “mito”, tenta aprovar no Congresso Nacional. Esse papo de produtividade, avaliação, resultados – num contexto sério, é bom frisar, são questões essenciais –, que essa turma vomita por aí, é tudo empulhação: o que querem é institucionalizar as “boquinhas”. Pior ainda: caso seja conveniente, perseguir desafetos, rifar inimigos.
O que essa gente deseja é evidente: empregar filhos, esposas, tios, primas – até cunhados – e os cabos eleitorais, a claque que faz correria em períodos eleitorais. Para isso, é necessário se livrar dos servidores estáveis, concursados. Como é que se faz isso? Restringindo a estabilidade, conforme almejam: com as novas formas de contratação previstas no texto, o céu passará a ser o limite. Ou não.
Sem profissionalismo no poder público, fica mais fácil montar e operacionalizar os nocivos esquemas que – vira e mexe – a imprensa denuncia com estardalhaço. “Quem é o ocupante de cargo comissionado que vai denunciar um caso como o da Covaxin”? A indagação ficou no ar, reverberando. No fundo, não se pretende elevar a eficiência ou a qualidade de serviço público nenhum: o que se pretende é tomar o Estado de assalto, costurando esquemas, empregando correligionários.
O episódio serviu para resgatar o debate, que vinha sendo sufocado. Para camuflar intenções ocultas, pilantras travestem-se de liberais, de ongueiros, de probos, de moralistas, do diabo a quatro. Caso a insanidade prospere – há chances significativas de seguir adiante – os serviços públicos escangalham-se de vez no país. Estudiosos, vozes sensatas e espíritos efetivamente republicanos preocupam-se com os desdobramentos da contrarreforma.
É bom frisar: servidor público tem que ser avaliado, produzir e qualificar-se. Até por obrigação. Também é bom frisar: há muita gente séria e competente ocupando cargos comissionados – conheço muitos – que contribuem para a administração pública e a sociedade. A forma como o debate foi proposto – com o nocivo texto da contrarreforma – é que é um escárnio, uma aberração.
Tomara que esse horror não prospere. Caso prospere, que não seja nos termos propostos pelo governo do “mito”. Afinal, o caso Covaxin – uma tremenda embrulhada que abalroou o “mito” e sua claque – é bem ilustrativo do que pode vir a acontecer…
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