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Júlia de Góes
segunda-feira, 30 de agosto de 2021 / Publicado em Colunistas, Home

É responsabilidade minha? Sobre vacinas e ética

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Nesta Vida tão breve

De que nos dão só um gole

Quanto – quão pouco – está

Sob nosso controle

Poema 63, Não Sou Ninguém, de Emily Dickinson.

A terceira dose da vacina contra a Covid-19 já é uma realidade, e não apenas no anúncio feito quanto a sua inclusão ao Plano Nacional de Imunização (PNI) pelo Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, na última quarta-feira (25). Na verdade, pelo menos em São Luís, capital maranhense, a chamada “dose de reforço” já vem sendo aplicada desde o dia 26, seguindo uma série de requisitos. O estado do Mato Grosso do Sul – que possui, vale mencionar, a maior taxa da população totalmente vacinada no país (43,15%), contra os 14,86% do Amapá – também decidiu não ficar para trás e deu início às aplicações na sexta-feira, dia 27. Mas as doses extras não se restringem ao contexto nacional: Israel, por exemplo, decidiu pela terceira dose ainda no final de julho, sendo seguido por um punhado de outros países, mesmo que em intenção, como Rússia, Chile, Uruguai, Bélgica, Camboja, Alemanha, França, Reino Unido, Áustria e Estados Unidos. 

Tais acontecimentos despertaram a atenção, e profunda reprovação, da Organização Mundial da Saúde (OMS). Num comunicado conjunto datado do dia 27 de agosto, a OMS alertou sobre a potencial exacerbação da desigualdade global resultante da aplicação da terceira dose. O quadro é alarmante: menos de 2% dos adultos estão totalmente vacinados na maioria dos países de baixa renda, em comparação com quase 50% nos países de alta renda.

O comunicado, além de apontar as divergências nas taxas de mortalidade entre esses grupos de países, ainda parece apelar para um argumento supostamente mais forte: os possíveis gargalos na recuperação da economia global. A resposta, no entanto, veio na manhã desta segunda-feira (30) na voz do diretor da OMS para a Europa, Hans Kluge, que disse não se tratar de um “reforço de luxo”, e sim de uma ação para manter os vulneráveis em segurança.

Grande parte dessa contradição escancarada guarda relação com a falta de consenso científico sobre o assunto. Até o momento, não se sabe o suficiente sobre a real necessidade de uma terceira dose da vacina contra a Covid-19. É certo que uma dose extra levaria à multiplicação de células produtoras de anticorpos, que diminuem naturalmente ao longo do tempo, e um reforço nas células de memória do tipo B. O que os cientistas desconhecem é se essa queda na quantidade de anticorpos refletem um igual declínio na proteção contra o vírus ou qual seria um indicador confiável da efetividade das vacinas. 

Aqui, é importante notar que os dados publicados em 28 de julho por pesquisadores da Pfizer-BioNTech não seguiram o método duplo cego. Dessa forma, segundo artigo publicado na revista Nature, a mudança comportamental após a vacinação – como a exposição a maiores riscos – e o grupo inicialmente vacinado – profissionais da saúde, que se expõem com mais frequência ao vírus e realizam mais testes de detecção – são fatores que podem ter influenciado o resultado. Em abril de 2021, o CEO da Pfizer já falava na possível necessidade da terceira dose “dentro de 12 meses”. Em agosto corrente, a Pfizer tornou pública sua parceria com a Eurofarma, com vistas a produzir sua vacina no Brasil e fornecê-la à América Latina. Sem dúvida, a venda da terceira dose aparenta ser mais lucrativa do que a negociação com países de baixa e baixíssima renda.

Mas nada ainda foi dito sobre a aparente causa disso tudo: a variante Delta, que viaja de fronteira em fronteira sem a necessidade de visto, nem de passaporte. Ou sobre a Alpha, Beta, Gamma, Lambda… Enfim, essa grande preocupação que hoje perturba o sono de tomadores de decisão e que tenta driblar a proteção até então conquistada por meio de campanhas de vacinação. E é nesse ponto, em especial, que podemos identificar o fato da pandemia, apesar de ser a questão global mais relevante dos últimos meses, nunca ter sido endereçada enquanto tal. Isso porque, desde março de 2020, não houve qualquer mobilização significativa no sentido de desenvolver um concertação internacional para lidar com o velho, e ao mesmo tempo novo, desafio de uma pandemia.

Diferente do que ocorreu no pós-crise de 2008, os Estados limitaram-se a tomar medidas olhando para dentro, fechando fronteiras e adquirindo o máximo de provisões para si. A Covax Facility, hoje enormemente negligenciada, ou a eventual, e até o momento distante, quebra de patentes das vacinas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) mostram-se as únicas iniciativas que, minimamente, deram frutos.

Certamente, as discussões sobre a terceira dose da vacina contra a Covid-19 escancaram como o problema da responsabilidade está intimamente conectado à forma segundo a qual considerações éticas são pensadas nas relações internacionais. Isto é, no interior de um embate entre Estados inseridos num ambiente proeminentemente anárquico, ou seja, sem uma entidade reguladora supranacional. Indo além, percebemos que o código que governa a subjetividade nas relações internacionais geralmente está alicerçado na ideia de atores autônomos com identidades definidas e na noção de conflitos nacionalistas naturalmente manifestos.

Por esse ângulo, prevalece o conceito tradicional de responsabilidade, conforme o qual a ética é lida de maneira restritiva em termos de códigos morais e comandos em relação a agentes autônomos (indivíduos ou Estados). Tal perspectiva permite, por exemplo, imaginar uma situação na qual, diante de uma pandemia que necessite de uma imunização global realizada a partir de recursos escassos para ter fim, um Estado decida vacinar três vezes os seus cidadãos em detrimento daqueles que não conseguem se vacinar sequer uma vez.

Como alternativa, não posso deixar de recordar da filosofia proposta por Emmanuel Levinas, que propõe exatamente a ética como primeira filosofia. Para ele, a ética não suplementa uma base existencial pré-existente. Vista dessa maneira, a ética reconfigura a subjetividade, reposicionando a origem do sujeito na sua sujeição ao “Outro”; uma sujeição anterior à consciência, à identidade, à liberdade, uma sujeição que não se origina numa promessa. Levinas, não obstante, ao levar adiante seu entendimento, entra em tensão com a tradição helenística, pelo menos na medida em que entende a filosofia grega enquanto dominada pelo pensamento de que a verdade equivale à presença.

De fato, o Outro, para os gregos, é o mesmo; o inter-humano é a presença. Ao contrário, Levinas enxerga o inter-humano como uma dobra que engloba o “do mundo”, a inteligibilidade fenomenológica, e aquilo “para além do mundo”, a responsabilidade ética. Levinas, assim, declara que “o humanismo tem que ser denunciado apenas porque não é suficientemente humano”. À vista desse posicionamento, não há situação em que não poderíamos declarar que tal coisa não é problema nosso; seria impossível dizer que, se eles não podem comprar vacinas o suficiente, o problema é deles. A relação com o Outro, uma relação de responsabilidade, não pode ser suprimida, ainda que tome outra forma, seja belicosa, seja política. 

Nesse caso, se a ética é uma relação responsável com o Outro, então a política, para Levinas, é uma relação com todos os outros, com a pluralidade que compõe a comunidade. Um terceiro entra na relação do um-para-um, aquela face-a-face, e isso requer a entrada da justiça em cena – a justiça das leis, tribunais e instituições: precisa-se do Estado. Daí, surge o potencial limitador da responsabilidade, que se dá na passagem do ético para o político, na transição do ético para o moral. Dessa forma, o Estado, participante tanto da ordem interna quanto da internacional, deve ser questionado em nome da responsabilidade ética em relação ao Outro, pois nem a política, nem a guerra podem obliterar a relação do Si com o Outro enquanto uma relação de responsabilidade.

Então, isso quer dizer que a morte daquela pessoa não vacinada lá na Nicarágua é responsabilidade minha? Talvez. A ética como responsabilidade não te permite ser alheio a isso, pois ela reterritorializa (ou desterritorializa) a responsabilidade. Os desdobramentos desse reposicionamento absurdo não parecem caber aqui. Contudo, tomo a liberdade de ainda revisitar o pequeno poema que faz epígrafe a este texto. Quão pouco realmente está sob nosso controle, ao passo que tudo pode estar sob nossa responsabilidade.

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Júlia de Góes
Júlia de Góes
Estudante de Relações Internacionais na Universidade de Brasília
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  • É responsabilidade minha? Sobre vacinas e ética - 30/08/2021

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