
– O hômi com 200 real no bolso e não tem um restaurante onde comer!
O episódio faz tempo: foi em 2010, por aí. O ônibus avançava pela Senhor dos Passos deserta – era 25 de dezembro – e o sujeito, desolado, examinava as fachadas das lojas fechadas, que refletiam a luz do sol que esmorecia com o fim da tarde. Falava alto – sentia-se que bebera – com duas interlocutoras que o acompanhavam e que, discretamente, divertiam-se com a sua carraspana.
Renitente, o sujeito repisava que tinha dinheiro no bolso, que estava faminto. E nada de um restaurante aberto no centro da Feira de Santana para atendê-lo. No fundo, regozijava-se também: tinha algum dinheiro, podia ostentar, bradar, reafirmar sua condição de cidadão abonado que não encontrava um bendito restaurante aberto. Um discreto sorriso denunciava o sentimento.
Ignoro o fim da epopeia daquele brasileiro de meia-idade que percorria a Feira de Santana à cata de um restaurante que o atendesse. Desci na Rodoviária e embarquei para Salvador. Nunca esqueci o clima festivo daqueles dias, a expectativa pelo Ano-Novo, as incessantes viagens para as praias. O brasileiro médio, naquela época, era feliz, sabia e externava ruidosamente seu contentamento.
Naquele ano a economia brasileira cresceu 7,5% e o Brasil figurava em manchetes elogiosas mundo afora. Lembro que, em um congresso em Buenos Aires, participei de uma discussão sobre políticas públicas para o campo, apresentando um trabalho com críticas às ações de regularização fundiária. Uma participante comentou, com espanto:
– O que a gente ouve falar é que as coisas estão bem no Brasil, que tudo está dando certo por lá! E seu trabalho com críticas!
Até fiquei espantando com o comentário. Mas depois soube que, à época, os argentinos remoíam seus problemas e alimentavam discreta inveja em relação ao Brasil. Foi o que explicaram. O soluço de prosperidade que espantou o mundo, todavia, foi efêmero. Sucedeu-o o interminável engasgo econômico em que permanecemos atolados.
Por que estas lembranças afloraram agora? Talvez seja a aproximação do fim do ano, o período é propício para recordações. Sobretudo com os dias aziagos que escorrem, de pandemia e desgoverno. Lá fora, relâmpagos distantes amarelam o céu da Feira de Santana, ao sul. Aqui dentro faz calor, uma umidade incomum satura o ar.
As chuvas, as sensações atmosféricas, trazem recordações infantis, juvenis, bem mais distantes. Mas já há lembranças demais no texto que vai se encerrando. E o momento, é bom lembrar, exige que se pense no futuro, que se brigue pelo futuro. Mas isso fica para amanhã porque, hoje, os relâmpagos espetaculares exigem atenção…
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